(Continuação)
A rubrica Efemérides Municipais foi publicada entre Janeiro de 1936 e Março de 1937, no jornal “A Era Nova”. Transitou para o Jornal “A Beira Baixa” em Abril de 1937, e ali foi publicada até Dezembro de 1940.
A mudança de um para outro jornal deu-se derivada à extinção do primeiro. António Ribeiro Cardoso, “ARC” foi o autor desde belíssimo trabalho de investigação, que lhe deve ter tirado o sono, muitas e muitas vezes.
O texto foi escrito neste blogo, tal como foi publicado em 1937.
Os comentários do autor estão aqui na sua totalidade.
Comentário do autor: Os selvagens destruidores de árvores não são só de hoje nem de ontem, são de sempre. Publicam-se leis, fazem-se posturas, mas, por mais que se faça, os resultados são sempre pouco menos do que nulos. Na sessão da Câmara realizada em 3 de Fevereiro de 1768 encontramos isto:
Acta de 1768: “E logo determinarão que para a conservação das Arvores que no auto da correissam semandarão plantar na devesa se estabelessem as penas seguintes às pessoas que as danificarem por qualquer modo que seja. Toda apessoa que tirar os carapetos ou as silvas que supõem para Resguardo das ditas Arvores terá de coyma mil rs e dois meses decadea, e sendo filho família pagará seu pay ou apessoa debayxo de cujo domínio estiver a dita coyma, estando os ditos filhos famílias sempre os dois mezes na cadea. E toda a pessoa que cortar alguma das ditas Arvores ou as cobrar terá de coyma seis mil e quatro mezes de cadea, e toda apessoa que prender qualquer género de besta ás ditas Arvores nos dias de Mercado, ou fora delles, ou outra qual casta de Animais terá decoyma mil rs pagos da cadea”.
Comentário do autor: Mesmo comparadas com as de hoje, levando em conta a diferença de valor da moeda, estas multas eram de molde a fazer encolher os mais teimosos e selvagens destruidores das árvores, tanto mais que, por cima da multa, lá estava a cadeia, mas nem por isso as árvores da devesa ficavam eficazmente defendidas. Então como agora… vamos lá com Deus. No mesmo sentido de protecção das árvores, que estava no espírito das leis e nas posturas municipais do tempo, encontramos nova deliberação no dia 27 do mesmo mês de Fevereiro. Resa assim:
Acta de 1768: “E logo determinarão que se observassem as posturas antigas por estarem muito com formes com as leys e ao bom governo deste Povo. E assim mais que Ressalvassem as Arvores todas as pessoas deste Povo na folha da (segue-se o nome da folha que não fomos capazes de ler) cujas foram determinadas pelos louvados o capitam Domingos Lopes Alvarinho e Niculao Joam nomeados pello Doutor Corregedor, as quais Arvores serem lanssadas no Livro Respectivo eficara Relassam dellas mam do Escrivam dos aduados para os notheficar, e saber cada hum o numero das que hade Ressalvar”.
Comentário do autor: Apesar de todos estes cuidados e cautelas, veremos que aqueles que mais interesse devim mostrar pelo cumprimento destas louváveis deliberações não sabiam ou não queriam toma-las na devida conta. Em sessão de 9 de Abril surge um caso muito complicado a respeito da cobrança de certos rendimentos, que resumimos assim: Os “ derramadores de siza” meteram na conta os dois terços da renda das tabernas que devia pertencer á câmara,
Acta de 1768: “Querendo expoliar esta da posse em que está de fazer a dita cobranssa aplicando as ditas duas partes para criassam dos emgeytados e outras despesas, esta posse autorisada com sentensa que ouve do Supremo Tribunal da Fazenda em que Sua Magestade deve tersar na dita Renda das Tabernas”.
Comentário do autor: A Câmara, sentindo-se lesada, reclamou, protestou, fartou-se de dizer da sua justiça. Os dois terços da renda eram seus e precisava deles.
Acta de 1768: “para a despesa da criassam dos emgeytados que não ademite a menor demor pois que não devem perser á fome e as Amas dellas estam clamando pelas suas pagas”.
Comentário do autor: Mas de nada valeu á Câmara reclamar. Ninguém a ouvia. O Marques de Pombal, que era então quem governava, lá entendia que precisava dos dois terços da renda das tabernas, e acamara que se governasse. Mas o dinheiro era preciso. Então a Câmara saiu-se do embaraço determinante.
Acta de 1768: “que se fassa huma finta naforma da Ley visto não haver rendimento neste concelho que chegue para as despezae ordinárias e precisas”.
Comentário do autor: Lembra isto a velha fábula da rã do charco a lamentar-se por ver dois bois á bulha. A bulha era lá com os bois, mas o que fosse vencido iria refugiar-se por ali perto e ela corria o risco de ser esmagada. A Câmara bulhou e com toda a razão com os “derramadores da Siza” ou, melhor, com o governo para quem esses derramadores trabalhavam. Vencida a Câmara, refugiou-se… no lançamento de um finta que o povo teve de pagar com língua de palmo. È verdade que era para a “criassam dos emgeytados”, que não haviam de “perser á fome”, e para calar a boca às amas deles que estavam “clamando pelas suas pagas”, mas sempre foi o povo que veio a pagar as diferenças. Cá temos agora a prova de que aqueles a quem mais devia interessar o cumprimento da deliberação municipal relativa ao “"ressalvamente” das Arvores e eram os primeiros a não fazer caso disse. Em sessão de 26 de Junho os vereadores:
Acta de 1768: “Determinarão que se condenassem as pessoas que faltarão arressalvar as Arvores… que se lhe determinou em virtude do capitulo da correyssão e mandado do mesmo ano, que lhe farão Arbitradas pellos louvados declarados no Referido capiluto, para cujo ressalvamente ellas forão notheficadas como consta por certidão…” E assim foram multados em quantias varias os seguintes proprietários relapsos, por não terem ressalvado as arvores que lhes foram indicadas:
Domingos Ribeiro, 5 árvores; João do Canto, 70 árvores, os Rojos, 8 árvores; António Pires Ruivo, 104 árvores; Manuel Tomaz, 11 árvores; Manuel Vaz Moura, 6 árvores; António Serrão, 8 árvores; Paulo Pires, 10 árvores; Manuel Pires, 15 árvores.
Comentário do autor: O lançamento da multa de João do Canto tem ao lado esta nota: - Este não. Talvez fosse compadre da Câmara. Pelos compadres houve sempre muita consideração… Neste ano, a Câmara não quis ficar na protecção às árvores, foi mais longe no que de algum modo jogava com as coisas agrícolas. Assim é que, em sessão de 9 de Setembro, os vereadores entenderam que deviam regular as vindimas e por isso.
Acta de 1768: “Determinarão que pella experiencia ter mostrado que as vindimas se costumão fazer antes da uva madura, São causa de se arruinarem os vinhos em forma que nas Tabernas, se metem muitos quasi vinagre o que he com prejuízo da utilidade publica e detrimento da saúde dos moradores desta villa, que as vindimas em qualquer sitio que seja, se não fassão senão depois de se lanssar pregão por mandado desta Camara por que se conseda lissenssa para se vendimar com pena de que todo o vindimador que se achar vindimando ou se souber vindimou antes do dito pregam lissenssa, sendo mayor de doze annos homem ou molher será preso por tempo de oito dias e sento e vinte rs de condenassam que pagara antes de sahir da cadeia, isto por cada vez q for compreendido e o mesmo arrespeito dos menores que pagarão seus pays a pena picuniaria e os senhores das vinhas ou os que mandarem fazer as vindimas serão obrigados o pagar de condenassão doys mil rs tudo aplicado para as despesas do conselho e este acordam se nothesiará por pregão pelas ruas publicas”.
Comentário do autor: Não esteve lá com panos quentes a Câmara. Para que as uvas ainda não maduras, não sejam “causa de se arruinarem os vinhos”, vindimas só depois de serem anunciadas por pregão. Para os vindimadores que não esperem pelo pregão, oito dias de cadeia e seis vinténs de multa. Para os que mandassem fazer o serviço, o caso era mais serio: a multa subia dois mil reis. Eram bons tempos. Se hoje a Câmara, ou mesmo o Governo, se metesse a proceder por forma semelhante, veriam o que era gritar pela Liberdade! (Continua)
Ps – Mais uma vez informe os leitores dos postes, “Efemérides Municipais” que o que acabou de ler é uma transcrição fiel do que saiu em 1937. Modificar, emendar ou alterar estes artigos seria na minha perspectiva um insulto ao seu autor.
O Albicastrense