"PATRIMÓNIO DA TERRA ALBICASTRENSE"
O texto sobre o bordado de Castelo Branco que vão ler a seguir é, da autoria de José Zêzere Barradas.
"Sobre
os Bordados de Castelo Branco"
Este
texto serviu de base a um trabalho desenvolvido por um grupo de
alunos de um curso na UBI (Covilhã). Não recordamos o dia em que
apresentamos o trabalho, nem tão pouco nos lembramos do nome de
todos os colegas do grupo pois estávamos no ano 2000 ou 2001, já lá
vão uns aninhos.
De entre os vários colegas que participaram
recordo a colega Dra. Celeste Ribeiro que também frequentava este
estabelecimento de ensino. Esta colega trabalhava no museu Francisco
Tavares Proença, em Castelo Branco. Presumo que ainda lá trabalhe,
ou por esta altura estará, eventualmente, já aposentada.
A
meu pedido, a Dra. Celeste Ribeiro pesquisou alguma bibliografia
disponível sobre os bordados de Castelo Branco da qual retirou a
informação necessária para o trabalho que se pretendia realizar.
A
pesquisa documental efectuada por esta colega esteve em minha posse
até hoje, e foi a partir dela que desenvolvi este artigo alusivo aos
Bordados de Castelo Branco. Fica então em referência que este
artigo tem também o cunho desta colega, e só foi possível de
desenvolver devido às pesquisas efectuadas pelos autores cuja
referência se encontra no fim deste artigo.
Todos
sabemos que muitos autores escreveram sobre esta arte de bordar,
inclusivamente existe o site da Câmara Municipal de Castelo Branco
com o historial do Bordado de Castelo Branco muito bem desenvolvido,
no entanto pensamos que nunca é demais acrescentar mais alguns
“pontos” sobre este tipo de bordado artesanal.
Foi
na cidade de Castelo que nasceu há algumas centúrias, e com
características especiais, uma encantadora arte de bordar colchas e
outras peças de indumentária caseira com seda a ponto de retém
sobre linho cru (Antunes, 1974:7).
Ainda
segundo Antunes, os bordados de Castelo Branco, bem como as
tapeçarias de Arraiolos são dos mais curiosos produtos de arte
popular em Portugal.
É difícil de dizer a data exacta do surgimento
deste bordado, e quais as suas características originais. A falta de
informação existente sobre estas peças de bordado, sobretudo de
documentação escrita, não permite estabelecer uma data precisa
para o seu aparecimento, mas pode-se, no entanto, afirmar que no Séc.
XVII este bordado estava já bastante difundido.
Para
o estudo das colchas de Castelo Branco convém proceder a uma
clarificação dos grupos, já que das épocas não se encontra
justificação para o fazer (…). Sendo assim, para a classificação
das colchas, começaríamos por as separar em dois grandes
agrupamentos, visto ser assim que elas se apresentam à observação
de quem se dedica ao estudo destas obras de arte (Moura, 1974:24).
Assim,
para este autor, temos as colchas populares ou rústicas, e as
colchas eruditas entre as quais existem diferenças fundamentais:
As
colchas populares ou rusticas eram feitas pelas mulheres do povo,
geralmente as mulheres do meio rural.
As
colchas eruditas eram provenientes dos meios familiares, das casas
solarengas, ou provenientes do meio conventual.
Fundamentalmente
as colchas de Castelo Branco, as mais populares, tinham um destino
curto, eram usadas no dia do noivado na cama dos noivos (…), eram
as colchas de noivar se devem considerar por isso (Chaves, 1974:17).
Daqui
podemos depreender que estas colchas eram uma importante peça do
enxoval da noiva. As colchas de noivar são mais estreitas que as
colchas eruditas, sendo também mais pobres quer na qualidade do
linho, quer no seu desenho, o qual era mais ingénuo e menos
elaborado.
Quanto
às colchas eruditas, estas foram inspiradas em colchas vindas do
oriente (India e China), podendo ser classificadas como obras-primas
da arte do bordado.
As
colchas de Castelo Branco sejam elas populares ou eruditas são
bordadas a seda frouxa ou seda distorcida, sobre linho caseiro,
estreito e tecido em teares manuais bastante primitivos. O desenho
traçado no papel era picado e passado para o linho com o auxílio de
uma boneca de pano embebida em pó de sapato, sendo em seguida fixado
o desenho com uma tinta indelével de cor acastanhada, a qual era
obtida através de uma infusão de casca de noz verde.
Para
a execução do bordado, o pano era esticado nos chamados caibros ou
bastidores. Nas colchas populares ou rusticas predominava o chamado
“ponto largo” ou “ponto frouxo” e o qual mais tarde se veio a
tornar conhecido pelo nome de ponto de Castelo Branco. É um ponto
que se torna económico visto que o dispêndio da rede, pelo avesso é
mínimo. Quanto ao colorido das colchas existem as chamadas colchas
monocromáticas, executadas numa só cor.
Existem também as colchas
policromáticas em que são empregues quatro cores: O azul, o rosa
vivo, o amarelo, o castanho. Todas estas cores aparecem em diversos
tons, mas o castanho raramente aparece.
Para
obter as cores, as meadas de seda, cuja indústria caseira esteve
também muito difundida na região de Castelo Branco durante os Séc.
XVII e XVIII, eram tingidas, sendo utilizadas para o efeito folhas e
raízes de determinadas plantas, e também alguns minerais.
Da
composição destes desenhos fazem parte alguns elementos básicos:
os centros designados por medalhões ou painéis, e que na maior
parte das vezes são limitadas por molduras que apresentam as mais
variadas formas.
No
que respeita à composição dos desenhos, estes são muito variados.
Os desenhos são inspirados na flora e na fauna, não só da região
como também do oriente como é o caso do papagaio, o qual surge em
muitas telas.
Além
do papagaio surgem também nas telas uma grande variedade de aves
sendo de assinalar que em algumas colchas populares as aves
apresentam formas invulgares, ou até mesmo desconhecidas.
Temos o
exemplo da águia bicéfala a qual surge bastante apenas nas colchas
eruditas. Outro motivo que surge com frequência e que tem um grande
efeito decorativo é a albarrada, termo de origem árabe que designa
um vaso com duas asas. Dessa albarrada saem sempre hastes floridas.
O
cravo, é também muito utilizado, bem como a flor-de-lis. De reparar
que nas colchas eruditas ou populares é muito frequente aparecer um
par de noivos ao lado de uma haste florida.
Uma
vez terminada a peça, esta era forrada a tafetá nas colchas
eruditas, e a cetineta ou algodão estampado nas colchas rústicas.
A
última operação consistia na aplicação da franja de uma só cor
ou com fragmentos de seda das diversificadas cores empregues na sua
confecção. Para além das colchas também eram bordadas almofadas,
entre-camas e artigos religiosos, havendo alguns exemplares na Sé de
Castelo Branco, e no museu Machado de Castro, em Coimbra.
No
Séc. XIX com a industrialização, o artesanato começa a entrar em
decadência devido à introdução de novas tecnologias e novas
matérias-primas, como por exemplo o algodão. A indústria artesanal
da seda e do linho quase desapareceram e com ela a confecção de
bordados de Castelo Branco. Segundo refere Lopes Marcelo, em 1929 foi
organizado um congresso Beirão onde se reuniram gentes das três
Beiras, onde os congressistas presentes debateram teses sobre as
colchas de Castelo Branco, e pediram que as autoridades locais
promovessem o desenvolvimento deste tipo de artesanato e desta forma
contribuíssem para o desenvolvimento da cultura tradicional ou
popular.
Refere Pinto (1972:308) que tanto a preservação como o
renascer do bordado de Castelo Branco foi um testemunho da capacidade
e criatividade dos antepassados no que diz respeito à expressão
artística da contemporaneidade.
Nesta
perspetiva foram criadas em 1941, em Castelo Branco, duas escolas de
bordados de Castelo Branco com o objetivo de recuperar e dinamizar a
tradição do bordado de seda. Se retrocedermos a 1976 encontramos o
Decreto 805/76, de 8 de Novembro.
Este decreto cria no Museu de
Francisco Tavares Proença Júnior, depois de extinta a Mocidade
Portuguesa Feminina, uma oficina-escola de bordados regionais. As
peças que foram produzidas nesta oficina-escola estavam de acordo
com os desenhos que faziam parte das peças originais, mas outros
formatos foram adaptados. Os desenhos adaptados, com formatos mais
pequenos, eram também mais acessíveis em termos de preço, e iam ao
encontro de uma decoração mais actualizada (à época), tendo os
painéis substituído, em parte, as colchas as quais eram produzidas
mais por encomenda. E aqui fica mais uma achega acerca desta
maravilhosa arte.
Bibliografia
Antunes,
Maria Júlia; Cardoso, J. Ribeiro; Chaves, Luís; Moura, Maria
Clementina. Artesãos da Região Centro. Coimbra, IEFP; Marcelo,
M. Lopes. Beira Baixa. Lisboa: Editorial presença; Pinto, Clara Vaz.
O Bordado e as Colchas de Castelo Branco. Lisboa, Ministério da
Educação e Cultura.
José Zêzere Barradas
O Albicastrense