VINTE
ANOS DEPOIS - (II)
(continuação)
Caminhei
em busca de casa onde fosse possível instalar-me. As pessoas não me
conheciam já, e eu só neste ou naquele mais idoso, notava traços
do que tinham sido, sem que pudesse ligar nomes a pessoas.
Depois
fui à Sé – igreja onde me batizaram – fazer a minha oração,
como cristão convicto que sou. O ambiente era, como foi sempre,
acolhedor, só os homens teriam mudado muito. A fé pareceu-me maior.
Percorri ruas e vielas, algumas das quais não tinham mudado nada de
especto e dirigi-me ao Castelo para aproveitar a altitude para maior
domínio sobre o horizonte, dominando todo o panorama que de baixo me
era impossível.
Que
belo miradouro!... Coisa nova também, convidativa e confortável,
que as entidades administrativas criaram para delicia do seu povo, ou
do viajante, como eu. Uma suave escadaria, coberta de árvores novas
formando arcadas, dominava o declive outrora escarpado e ia perder-se
numa esplanada ajardinada, com um esplêndido lago e outras árvores
também novitas, cuja sombra me convidou a ficar mais tempo,
comodamente instalado a uma mesa de granito. Bebi até fartar, agua
fresca que o local também me forneceu.
Lá
estava ao longe a Serra da Estrela, coberta ainda de neve, qual
lençol muito estendido a secar, que a mão da natureza ali colocou.
Na minha frente, o cabeço do Cansado, coberto de casas. No meu tempo
tinha apenas uma, o matadouro municipal. O Parque e o Jardim do Paço
eram outras maravilhas, que embora já existissem estavam agora mais
formosos e cuidados. Até a quelha da Alegria, com sua lenda, deram
lugar a outro incendimento útil, “o lactário”, salvo erro.
À
volta do quartel de Cavalaria, notava-se nitidamente dali, o muito
que estava feito e o muito que também estava em via de realização.
Por toda a parte, coisas novas, testemunhos vivos dos homens de boa
fé e vontade firme. Na
segunda-feira de manhã, fui à casa Magna, das minhas intimidades de
criança. O pai Magno, mantinha ainda e seu expecto vigorosa e os
anos não o haviam feito mudar de expecto. Era ainda o mesmo. O
filho estava calvo, tinha engordado, usava óculos. Eu nunca mais
reconheceria nele o meu “Quim” de infância, se não fora
uma fotografia que gentilmente me ofereceu há uns 3 ou 4 anos.
Enquanto
ultimei uma conversa banal, principiada já depois da despedida,
minha família seguiu em direcção à praça. Vi que pararam à porta
do meu antigo patrão e notei que a minha mãe olhava para dentro com
certo espanto. Não
sei o que senti, ao ver surgir de dentro do balcão a figura daquele
que considerava morto há muito, desempenado, como foi sempre e, nos
lábios um sorriso acolhedor, que eu também conhecia. Só quando o
senti nos braços tive a plena convicção de que os meus olhos me
eram fiéis. Tive necessidade de beija-lo, único meio de me libertar
do peso que me comprimia o peito e me sufocava em absoluto.
Convidou-me
a acompanha-lo ás cinco da tarde num passeio pela cidade, que
aceitei com visível alegria. Também à família J. Morão eu devia
atenções e quis ser cumpridor do dever para com aquela gente, a
quem o meu pai serviu muitos anos e que para mim tinham sido duma extrema
bondade. Procurei
pelo pai e apareceu-me o filho. Aquele tinha falecido, soube-o nesse
momento. Mais um amigo que eu teria de apagar da minha memória
terrena.
A
mãe, senhora cuja imagem nunca se me varreu do sentido – morena,
alta, esbelta, olhar vivo e penetrante, inteligente e culta –
conservava ainda muitos destes traços, meus conhecidos da sua
juventude.
Era
agora uma viúva e as vestes do luto também contribuíam para me
parecer que os anos lhe haviam produzido estragos. O filho já o não
conhecia. Revivi naquele momento gratas recordações as minha
infância, algumas já com quase 30 anos passados.
Pouco
demorou a nossa conversa, mas foi o bastante para me convencer que as
pessoas, as mesmas de outros tempos, estavam ali e o filho havia
encarnado os dotes de bondade do pai.
Às
5 horas combinadas, apresentei-me ao meu ilustre cicerone.
Percorremos a cidade e mostrou-me com pormenores tudo aquilo que no
decorrer de 20 anos se tinha feito. Isto é: Fez-me passar por uma
data que o tempo jamais pode apagar e conclui que a revolução
continua. O Parque e o Hotel de Turismo, ficaram-me bem vincados na
memoria, por serem indispensáveis ao viajante. Para os descrever com
exactidão, teria que escrever algumas paginas e tornava-me
enfadonho, mas afirmo, sem receio de errar, que Castelo Branco tem
dois verdadeiros mimos de conforto e beleza que, ao pé de outros
bons, são indiscutivelmente iguais e juntos aos melhores, não
envergonham a Cidade.
Visitar
Castelo Branco, hoje é já ter a certeza de encontrar ali tudo
quando se deseje. E dada a circunstancia do serviço bem organizado e
económico de transportes e esplêndidas estradas, aquela Cidade
beirã proporciona um período de ferias tranquilas e pouco
dispendiosas. Se fosse médico, diria até que o seu clima é
benigno, e aconselhava-o para muitas curas de repouso.
Por
esta simples forma, pretende dar aos meus ilustres conterrâneos
conta do meu elevado apreço pelas suas iniciativas no
desenvolvimento sempre crescente da nossa terra, que a todos muito
honra, e agradecer a quantos me facultaram desfrutar comodidades e
prazeres ou me facultaram os elementos necessários para a ficara
conhecendo melhor.
Em
17- 04 - 1951
José Roxo
José Roxo
Ps. O artigo de José Roxo, foi postado neste blog tal como foi publicado em 1951.
O
Albicastrense
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