NINHARIAS,
FRIOLEIRAS E BAGATELAS
Notícia
do que se praticou na vila de Castelo Branco, por ocasião do
falecimento de El. Rei D. João V.
“Ano
do nascimento de Nosso Senhor Jezus Cristo de 1750, aos 31 do mez de
Agosto do dito anno nesta villa de Castelo Branco nas cazas da camara
della estando ahi presentes o doutor Bento Caetano Freyre juiz de
fora, Nicolau Tudella de Castilho vereador, Diogo Luiz de Sousa
vereador dos annos anteriores, que foi chamado por impedimento do
vereador mais velho Manoel de Magalais e Menezes, e Pedro Affonso
Urgueira, procurador da camara, e as pessoas nobres e da governança
e mesteres do povo, ahi por todos em observância de hua carta de sua
magestade, que Deus guarde, se fizerão as demostrações de
sentimento e pranto pella morte do senhor rei D. Joao o quinto nosso
senhor que Deus haja em gloria em que se teve a ordem seguinte.
No
dia de segunda feira 31 de Agosto do sobre dito anno pellas sinco
horas da tarde sahirão todos com grandes lutos da caza da camara, em
primeiro logar Rodrigo Luiz de Souza com hua bandeira preta que
lavava de rastos e nela as armas reaes, logo o doutor Bento Caetano
Freyre, juiz de fora, Nicolao Tudella de Castilho vereador, e o
escrivão da câmara (1) na falta do outro vereador, cada hum com o
seu escudo nas mãos junto ao peito, e de trás d’ elles o
procurador da câmara e mesteres do povo, seguido-se logo as pessoas
principaes e da governação e a trás d’ estes os officiaes de
justiça e juízes das aldeãs, que forão chamados para assistirem a
este acto, e logo toda a gente do povo, e juntos todos na praça ahi
subio em hum cavallo todo coberto de luto o sobredito Rodrigo Luiz de
Souza com a bandeira real sobre o hombro direito a cahida, e logo no
alto da primeira escada da câmara o doutor Bento Caetano Freyre juiz
de fora dice em voz alta a todos. chorai dice em vos alta a todos:
Chorai fidalgos, chorai nobres e chorai povo a morte del rei D. Joao
quinto nosso senhor que nos governou tantos annos em pas, e acabando
as dittas palavras quebrou o seu escudo sobre hua menza que estava
diante coberta de luto, e pegou na sua vara costumada que levou de
rastos, e logo forão todos pella ordem asima dita pella rua dos
Ferreiros adianta, fora da porta da villa (2) o vereador Nicolau
Tudella de Castilho subindo sobre hum estrado coberto de luto repetio
as sobreditas palavras e quebrou seu escudo, e pegou na sua vara
preta levande-a de rastos, e indo todos a rua adiante á Deveza (3)
ruas de S. Sebastião e arrabalde da Ferradura, ao Espírito Santo
fora da rua Santa Maria sobre outro estrado coberto de luto o
escrivão da camara repetio as sobretidas palavras quebrou o seu
escudo, e tomou a sua vara preta levande-a de rastos, e pella rua dos
Ferreiros (4) recolherão para a casa da câmara sahirão o dito
doutor juiz de fora e os mais do senado da camara com bandeira preta
que levava o dito Rodrigo Luiz de Souza, lavando varas pretas de
rastos acompanhados da nobreza e mesteres do povo, officiaes de
justiça, juízes das aldeãs e lugares do termo e povo para a Igreja
de Santa Maria aonde se fizerão as exéquias de sua magestade
defunta com sermão e muita sumptuosidade, e dahi sahirão todos da
mesma sorte para casa da câmara aonde mandarão lavrar este termo”.
1
- O homem por modéstia é que não escreveu o nome, mas é justo que
se diga, pois bem o merece, ainda que mais não seja, para se saber
quem foi o autor de escripto tão monumental. Era o Sr. Manoel Ferrão
de Pina e Olival. Tinha uma caligrafia que só por castigo se pode
ler o que escreveu. O homem parece que tinha a ideia reservada de que
no futuro se não pudesse saber nada do que elle escrevia.
Enganou-se, coitado, e Deus lhe perdoe as zangas que me fez ter para
lhe decifrar os hiéroglyphos.
2
- Porta da Villa – estava situada esta porta da muralha à entrada
norte da rua dos Ferreiros.
3
- Hoje parece um disparate este itinerário. A Deveza de então era
um vasto campo sem casas que abrangia o actual Largo da Sé, Quita
Nova, Largo de Santo António, limitando-se com a capella de S.
Gregório (hoje Senhora da Piedade) e com a do Espírito Santo. A rua
da Ferradura era então um arrabalde da villa! A cidade moderna está
quase toda na deveza.
4
- E’ equivoco, deve ser pela rua de Santa Maria, não e de crer que
voltassem para traz.
O
texto é da autoria de António Roxo e publicado em 1888 no antigo
jornal; "Correio da Beira".
Ps. O texto está postado, tal como foi publicado na época.
O
Albicastrense
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