domingo, abril 29, 2018

ENCICLOPÉDIA ALBICASTRENSE - (XXV)

(ALBICASTRENSES DO PASSADO)

Várias vezes aqui postei dados sobre Maria Emília Louraça de Oliveira Pinto, por isso, ao descobrir o texto que vai ler a seguir, não podia deixar de o postar. 
Pois, tanto a personagem do texto (Maria Emília Louraça), como o autor (H. Correia Pardal) são merecedores desta publicação.

Maria Emília Louraça de Oliveira Pinto, nasceu na rua dos Cavaleiros em 1869. Faleceu em Castelo Branco a 12 de Fevereiro de 1925.

UM BELO TEXTO DE H. CORREIA PARDAL
Maria Emília Louraça, de seu nome complete Maria Emília Louraça de Oliveira Pinto, albicastrense de nascimento, que viu a luz na íngreme Rua dos Cavaleiros, no ano distante de 1869, ao que nos informa o bom e culto amigo Sr. Manuel de Oliveira Barata, seu sobrinho, que já na idade proveta, dirigiu um dos jornais da cidade, como todos os de então de vida fruste e inglória “A Aurora”.
Quem a conheceu verá aqui, ante o seu nome, desenhar-se na tela da retentiva, o esquiço dum vulto frágil de mulher, vincando todavia em muitos traços impressivos. Era um tipo. Um tipo que já lá vai. Mas ei-la que vem.
Seus cabelos brancos são uma auréola, amoldurada uma face de pergaminho, sem outra beleza que não seja a que lhe transluz do espirito inquieto e ardente, que é uma chama vivaz, lucilando na pobre lâmpada de argília duma carcaça de original, sempre revestida da mesma indumentaria escorrida e austera, em pregas hirtas de habito talar.
Se fala, assusta. Sua máscula voz é um trovão. Destituída na verdade de toda a graça do sexo, do tempo das sufragistas inglesas, a que dá ares, e solteirona, claro, não era contudo sua qualidade de professora, simplesmente, que a víamos sempre entre crianças, sempre precedida dum esquisito cãozinho que tinha os dentes de fora, sempre, um cãozinho que bem sabíamos que não mordia e era assim, talvez, porque sorria…
Talvez o animal não ignorasse (sabe-se la´…) que os velhos trapos flutuantes de que ia no enlaço seriam o invólucro humano que sonegava das vistas do vulgo, como a ganga vil, uma alma de oiro…
Maria Emília, Louraça, professora que foi na sua escola de ensino particular, diurno e noturno, proletária também na sua oficina de encadernação, e ainda literata, por via de tudo isto pobre, muito pobre, sem embargo de se abrirem para ela, entre as alas populares, as portas solarengas de gente grande da cidade…
Teve princípios, neta do Juiz Auditor da Região Militar, Francisco de Oliveira Pinto, filha do professor, João de Deus de Oliveira e afilhada do ilustre José Pedro Morão, erudito que entretinha seus lazeres com a prática da arte de encadernação, fechado num aposento que a pequena Maria Emília espionava pelo buraco da fechadura, modo por que inteligentemente veio a aprender o ofício.
Mais tarde, herdeira de todos os apetrechos oficinais, tendo por necessidade de fazer-se profissional, havia de bem-dizer em si, a propósito, a decantada e nem sempre despicienda curiosidade feminina.
Reduzida de facto, não sabemos por que circunstancias adversas, a nua e crua pobreza, houve que trabalhar para viver.
A luta foi com certeza heroica, visto que achou sempre maneira de rasgadamente praticar o bem, sempre fiel ao amor das letras, um signo tantas vezes glorioso como tantas vezes fatal. Com efeito, manietada embora ao ponto de descarnada penúria, todas as sua atividades gravitaram ao derredor dos livros, professora, encadernadora e proprietária também de modesta livraria, ali à Rua da Ferradura, onde nós íamos à cata das histórias da carochinha e dos bonecos de estampar.
 Lá estava ela.
Então verificamos que o trovão sabia ter também amavilhoas modulações, de balada longínqua e saudosa. Certificava-nos de que éramos bem-vindos e seriamos bemquistos. E assim foi que já na adolescência sonhadora aquela estranha nigromante havia de pertentar aos nossos olhos extasiados as refulgências dum autêntico tesouro, maravilhoso.
Um tesouro? Sim. Esse foi para nós as cartas que nos mostrava, tracejadas em largas folhas de papel por uma pena ágil e resoluta e subscrita por nome prestigioso e consagrado, Ana de Castro Osório.
Não desdenhava corresponder-se com Maria Emília Louraça e excelsa pensadora que não foi apenas a avozinha da literatura infantil em Portugal, mas, emula de Maria Amália, se a esta, não acompanhou tão alto no surto puramente intelectual da expressão literária, militantemente abraçou a defesa dos mais nobres ideais sociais, e foi mais longe…
Nada ainda agora melhor nos fala de Eleonora Roosevelt de Castelo Branco do que essas cartas da grande escritora de Portugal e Brasil.
A própria obra esparsa da nossa conterrânea mal a conheceu. Sabemos que fez o elogio patriótico de D. Carlos, a quando da inauguração do caminho-de-ferro da Beira Baixa, e compôs o elogio funerário de Tavares Proença Júnior, notável erudito e investigador e benemérito do nosso museu, ao chegarem de Lausanne, os seus restos mortais. Mas onde para isso? Coisas do tempo, levou-as o vento….
Isso e a sua colaboração na Enciclopédia das Famílias e no Almanaque de lembranças, tudo isso ignoramos.
Muito bem conhecemos, no entanto o seu jornal, “A Aurora”, e é por ele que recordamos aqui Maria Emília Louraça, como vulto precursor da imprensa regional dos nossos dias. Nesse tempo, as escassas águas estagnadas albicastrenses não dessedentavam as florações do espirito, e só mais tarde, viriam os caudais da Gardunha, como de Fonte de Juventa.
O nosso jornalismo era coisa infelizmente limitada quase sempre a baixa retaliação paritária ou a reles enxovalho pessoal. Raras foram as exceções, e entre elas, decerto, “A Aurora”. Não chegaria a definir-se completamente, mas teve um objetivo, e tinha um ideal. Um objetivo útil, um ideal humano…
Por isso reverenciamos com saudade a sombra que perpassou agora aos nossos olhos, figura do lusco-fusco, nimbada de luz indecisa, a perder-se longe, além tão indecisa luz que nos perguntamos se é uma acaso ou uma alvorada.
Texto da autoria de H. Correia Pardal, publicado na revista
Estudos de Castelo Branco”, em Julho de 1963
O Albicastrense

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