sexta-feira, janeiro 16, 2009

CRÓNICAS DO PASSADO


Dos muitos acontecimentos sobre Castelo Branco que encontrei relatados em antigos jornais da nossa cidade, esta coluna assinada por António Roxo é sem duvida uma verdadeira delícia.
A coluna foi publicada no antigo jornal "Correio da Beira" em 1888, e tinha por título; “NINHARIAS FRIOLEIRAS E BAGATELAS”.
Quando António Roxo resolveu investigar as actas da nossa autarquia, tinham-se passado 132 anos após a morte de D. João V, hoje dia 15 de Janeiro de 2009 passaram-se duzentos e cinquenta e um após essa morte, e cento e vinte e um depois da publicação da coluna de António Roxo.

NINHARIAS FRIOLEIRAS E BAGATELAS
Notícia do que se praticou na vila de Castelo Branco por ocasião do falecimento de El. Rei D. João V.
“Ano do nascimento de Nosso Senhor Jezus Cristo de 1750, aos 31 do mez de Agosto do dito anno nesta villa de Castelo Branco nas cazas da camara della estando ahi presentes o doutor Bento Caetano Freyre juiz de fora, Nicolau Tudella de Castilho vereador, Diogo Luiz de Sousa vereador dos annos anteriores, que foi chamado por impedimento do vereador mais velho Manoel de Magalais e Menezes, e Pedro Affonso Urgueira, procurador da camara, e as pessoas nobres e da governança e mesteres do povo, ahi por todos em observância de hua carta de sua magestade, que Deus guarde, se fizerão as demostrações de sentimento e pranto pella morte do senhor rei D. Joao o quinto nosso senhor que Deus haja em gloria em que se teve a ordem seguinte. No dia de segunda feira 31 de Agosto do sobre dito anno pellas sinco horas da tarde sahirão todos com grandes lutos da caza da camara, em primeiro logar Rodrigo Luiz de Souza com hua bandeira preta que lavava de rastos e nela as armas reaes, logo o doutor Bento Caetano Freyre, juiz de fora, Nicolao Tudella de Castilho vereador, e o escrivão da câmara (1) na falta do outro vereador, cada hum com o seu escudo nas mãos junto ao peito, e de trás d’ elles o procurador da câmara e mesteres do povo, seguido-se logo as pessoas principaes e da governação e a trás d’ estes os officiaes de justiça e juízes das aldeãs, que forão chamados para assistirem a este acto, e logo toda a gente do povo, e juntos todos na praça ahi subio em hum cavallo todo coberto de luto o sobredito Rodrigo Luiz de Souza com a bandeira real sobre o hombro direito a cahida, e logo no alto da primeira escada da câmara o doutor Bento Caetano Freyre juiz de fora dice em voz alta a todos. chorai dice em vos alta a todos: Chorai fidalgos, chorai nobres e chorai povo a morte del rei D. Joao quinto nosso senhor que nos governou tantos annos em pas, e acabando as dittas palavras quebrou o seu escudo sobre hua menza que estava diante coberta de luto, e pegou na sua vara costumada que levou de rastos, e logo forão todos pella ordem asima dita pella rua dos Ferreiros adianta, fora da porta da villa (2) o vereador Nicolau Tudella de Castilho subindo sobre hum estrado coberto de luto repetio as sobreditas palavras e quebrou seu escudo, e pegou na sua vara preta levande-a de rastos, e indo todos a rua adiante á Deveza (3) ruas de S. Sebastião e arrabalde da Ferradura, ao Espírito Santo fora da rua Santa Maria sobre outro estrado coberto de luto o escrivão da camara repetio as sobretidas palavras quebrou o seu escudo, e tomou a sua vara preta levande-a de rastos, e pella rua dos Ferreiros (4) recolherão para a casa da câmara sahirão o dito doutor juiz de fora e os mais do senado da camara com bandeira preta que levava o dito Rodrigo Luiz de Souza, lavando varas pretas de rastos acompanhados da nobreza e mesteres do povo, officiaes de justiça, juízes das aldeãs e lugares do termo e povo para a Igreja de Santa Maria aonde se fizerão as exéquias de sua magestade defunta com sermão e muita sumptuosidade, e dahi sahirão todos da mesma sorte para casa da câmara aonde mandarão lavrar este termo”.
1 - O homem por modéstia é que não escreveu o nome, mas é justo que se diga, pois bem o merece, ainda que mais não seja, para se saber quem foi o autor de escripto tão monumental. Era o Sr. Manoel Ferrão de Pina e Olival. Tinha uma caligrafia que só por castigo se pode ler o que escreveu. O homem parece que tinha a ideia reservada de que no futuro se não pudesse saber nada do que elle escrevia. Enganou-se, coitado, e Deus lhe perdoe as zangas que me fez ter para lhe decifrar os hiéroglyphos.
2 - Porta da Villa – estava situada esta porta da muralha á entrada norte da rua dos Ferreiros.
3 - Hoje parece um disparate este itinerário. A Deveza de então era um vasto campo sem casas que abrangia o actual Largo da Sé, Quita Nova, Largo de Santo António, limitando-se com a capella de S. Gregório (hoje Senhora da Piedade) e com a do Espírito Santo. A rua da Ferradura era então um arrabalde da villa! A cidade moderna está quase toda na deveza.
4 - E’ equivoco, deve ser pela rua de Santa Maria, não e de crer que voltassem para traz.
(António Roxo)
Ps. Este texto está escrito tal como saiu em 1888.
António Roxo é autor de uma Monografia sobre Castelo Branco, editada em 1890 e recentemente reeditada pela editora Alma Azul.
Dados Biográficos de D. João V
D. João V, nasceu em Lisboa, a 22 de Outubro de 1689, recebendo o nome de João Francisco António José Bento Bernardo, e faleceu em Lisboa, a 31 de Julho de 1750, tendo sido sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora. Casou em 9 de Junho de 1708 com D. Maria Ana de Áustria (nasceu. em Linz, a 7 de Setembro de 1683; morreu no Palácio de Belém, a 14 de Agosto de 1754; sendo sepultada no Mosteiro de S. João Nepomuceno, dos Carmelitas Descalços Alemães, de onde o seu coração foi levado para a Alemanha, filha do imperador Leopoldo I e de sua terceira mulher Leonor Madalena. (1)
O Albicastrense

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