segunda-feira, fevereiro 23, 2009

EFEMÉRIDES MUNICIPAIS - XII


(Continuação)
A rubrica Efemérides Municipais, começou por ser publicada entre Janeiro de 1936 e Março de 1937, no jornal “A Era Nova” transitou para o Jornal “A Beira Baixa” em Abril de 1937 e ali foi publicada até Dezembro de 1940.
A mudança de um para outro jornal deu-se derivada à extinção do primeiro.
António Ribeiro Cardoso, “ARC” foi o autor desde belíssimo trabalho de investigação, que lhe deve ter tirado o sono, muitas e muitas vezes.
O texto foi escrito neste blogo, tal como foi publicado em 1937.
Os comentários do autor estão aqui na sua totalidade.
Comentário do autor. Agora, e durante muito, as sessões da Câmara são banalíssimas, sem sombra de interesse. Nomeiam-se juízes para freguesias do concelho, elegem-se os almotacés, os recebedores, os tesoureiros, reproduz-se todos os anos a postura que obriga ao pagamento dos impostos em cabeças de pardais, coutam-se os terrenos, renova-se para os almocreves a obrigação de ir buscar peixe fresco no tempo da quaresma, em resumo, sempre a mesma coisa, sempre o que já está dito e redito. O que nos aparece de novo são alguns nomes pitorescos, que fazem sorrir, mas que não oferecem o menor interesse, porque são nomes, isto é, apelidos que desaparecem de todo com os que usaram. Assim, por exemplo, em 1760 aparece nomeado juiz do Retaxo, Domingos Fernandes Beiçana; de Alcains, João Sanches Buraffa, e procurador, Manuel Pires Lomelão; mais longe aparece-nos José Barzenas, etc. Uma vez ou outra, aparecem-nos deliberações e reclamações que nos mostram que, em questões de interesse, os homens de então não diferiam sensivelmente dos homens de hoje. Assim, tendo sido estabelecidos mercados livres, os arrematantes do imposto faziam quanto podiam para iludir o que estava estabelecido e cobrar imposto pelas mercadorias que nesses mercados se vendia. Encontra-se na acta de sessão de 6 de Janeiro de 1760:
Acta de 1760. “ E logo nesta vereação aparecerão os Juízes do Povo e outras pessoas delle dizendo que era prejuízo edezabono do Mercado que estava estabelecido livre de Siza o pagar-se este se acaso os compradores não podiao sahir no mesmo dia do Mercado com as Mercadorias que comprasem e sendo chamados os Sizeirros responderão e convierão que aquilo que se compra no dia do Mercado ficaria livre de Siza ainda que não sahiosse no mesmo dia, mas sim nos seguintes com tanto que no mesmo dia do Mercado de faça a compra de Fasenda e entrega della de que fiz este termo que os dittos Sizeiros assignarão ”.

Comentário do autor. A perto de duzentos anos de distância, estamos a ver a mesma coisa. Procura-se apanhar o imposto por tudo e por mais alguma coisa. Se a coisa é um pouco mais grossa e aparecem queixas, encolhem-se as garras e… trata-se de estudar novo meio de chegar ao mesmo resultado. E, visto que se fala de mercados, não nos parece descabido dar a conhecer aos que o não saibam desde quando existe a chamada Feira de S. Francisco, que ainda hoje se realiza nesta cidade no dia 4 de Outubro. Leia-se para isso o que consta da acta de 4 de Maio de 1760:
Acta de 1760. “E logo nesta vereação apresentarão os Misteres do Povo Provizões Reais huma das quais era passada pello Conselho da Fazenda e libertava esta villa de toda a Siza do Comestival que entrasse a vender nella. E outro passado pelo Dezembargo do Paço em que se concedia a esta villa hum mercado em cada mês e huma feira franca de três dias em o de São Francisco 4 de Outubro, e sendo vistas as referidas Provisões as mandarão cumprir e guardar, e que na observância dellas se passassem as ordens necessárias e se apregoasse pellos lugares públicos hum mercado na primeira segunda feira de cada hum dos meses, e huma feira franca em o mes de Outubro que durara três dias sendo o primeiro em quatro de Outubro: e que outro sim se publicasse a liberdade da terra em todo o anno pelo que pertencia ao Comestivel que viesse vender nella de que se não pagaria Siza eque nos dias de mercado e feira franca seriam livres todos os géneros frutas e mercadorias que sevenderem dentro desta villa ficando totalmente livres detoda a Siza; e porquanto a Siza dos comerciantes tinha sido arrematada sem estas clausulas foram chamados os arrematantes desta João Ribeyro e António Nunes e sendolhe proposta a liberdade da terra pello Comestivel em todo o anno, e o outro sim a liberdade dos mercados, e feira franca a respeito de toda a Siza da forma que se declara convierao nas dittas clausulas e condições, ficando a sua arrematação na quantia de cem mil reis, para os haverem de pagar por todo este anno em os quartéis que se praticão com a condição que nos dias de mercado e feira franca hajam de sahir os frutos que se comprarem nos dittos dias, porque no caso que se comprem nos seguintes pagarão Siza”.
Comentário do autor. Fica-se assim, sabendo que a Feira de S. Francisco foi criada em Maio de 1760, durava três dias e era franca; que havia um mercado na primeira segunda-feira de cada mês e nele também os “géneros frutos e mercancias” expostas á venda não pagavam impostos; que a venda dos produtos naturais era também livre de impostos durante todo o ano, visto que era estabelecida a “ liberdade da terra”. Mais tarde, como oportunamente se verá, quando nos mercados começou a se cobrado imposto pelos géneros e objectos expostos á venda, houve uma verdadeira revolta, que só não deu de si consequências muito graves, porque a tropa interveio a tempo, metendo na ordem os “revoltosos”, que a receberam á pedrada. As revoltas populares, se desde logo se lhes acode, em regra não passam de fogos de palha. Os mais exaltados são os primeiros a render-se. Foi o que sucedeu neste caso. O imposto nas feiras e mercados ficou. Ficou e aperfeiçoou-se a ponto de hoje se pagar por tudo, pelo que se come, pelo que se veste, pelo que se não come nem se bebe nem se veste, pelo que se vende e pelo que não se vende, por tudo numa palavra.
Não é de agora. Já vem de largo e terá de continuar assim por muito tempo, porque “
necessitas caret lege” (A Necessidade não tem lei).
Saltando para o ano de 1761, encontramos logo na sessão de 15 de Janeiro esta determinação de respeito:
Acta de 1761. ” Logo determinaram que se nam consentisse que pessoa alguma entrasse na casa da Camara estando os vereadores em auto-de-Camara senão os pertencentes della porque as dittas vereações deverem ser feitas em segredo que ellles dittos vereadores guardarão segredo… sem que possam comunicar apessoa alguma como sam obrigados ”.
Comentário do autor. Ficavam sabendo os curiosos que não podiam meter o nariz nas delineações municipais. As sessões não eram públicas; os munícipes não punham pé na sala das sessões, enquanto nela se estivesse a deliberar. E não era só isso. Poucas linhas abaixo, lê-se:

Acta de 1761. “ O escrivão da Camara nam passara contas nem quitas de qualquer qualidade que sejão ”.

Comentário do autor. Havia qualquer conta a pagar ou qualquer coisa parecida? O escrivão não fazia nada, não punha nisso prego nem estopa. Dava conhecimento aos vereadores e, se havia urgência. Fazia-se uma sessão extraordinária. Forçoso é, porem, reconhecer que os casos de urgência não eram muitos porque as sessões vão sendo cada vez mais raras.
Ainda nesta sessão aparece a seguinte deliberação:
Acta de 1761.Parabem comum deste terra determina-se que todas as somanas barressem todas as pessoas as suas testadas sem que nas ruas fiquem sisco junto nem espalhado”.
Comentário do autor. E quem não cumprisse esta determinaçao era condenado ao pagamento de um multa de duzentos e quarenta reis, e a mesma multa pgaria quem deitasse “sisco ou inmondisse para algum logar publico da terra”. Não se satisfazendo ainda com a obrigaçao que a todos era imposta de “ barrerem as suas testadas” uma vez por somana e com a proibiçao de se deitar “ sisco ou inmondisse” para os lugares públicos, os vereadores foram mais longe em matéria de limpeza.
Assim é que, nesta mesma sessao:
Acta de 1761. “ Determinaram mais as esterqueiras que se achem dentro da villa ou visinhas della sejam obrigados a limpalas pena deque não o fazendo de serem condenados na ditta quantia deduzentos equarenta reis eamesma pena terá quem nas dittas esterqueiras lensar sisco ou outra qual quer incomodisse ”.
Comentário do autor. E’ de supor que esta determinação fosse então respeitada com medo da multa de doze vinténs, mas foi sol de pouca dura, porque se voltou á mesma. Anos depois torna a haver noticias de estrumeiras nas ruas, o que alias sucedia em todas ou em quase todas as terras. Ainda com estas deliberações se não gastou o fôlego dos vereadores. Ainda foram capazes de, nesta mesma sessão, nomear derramadores de Siza, cobradores se Siza, depositário geral de Siza, etc. Não durou muito o entusiasmo. Pouco depois as sessões começam a falhar e, quando não falham, é frequente ler-se que os vereadores se reuniram e, logo a seguir, se continuar e acabar assim. – “ E por não haver muito que despachar fiz este termo que asignarao”. ARC
Ps – Mais uma vez informe os leitores dos postes, “Efemérides Municipais” que o que acabou de ler é uma transcrição fiel do que saiu em 1937. Modificar, emendar ou alterar estes artigos seria na minha perspectiva um insulto ao seu autor.
(Continua)
O Albicastrense

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