quinta-feira, maio 02, 2013

MEDECINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XX - II

ASSISTÊNCIA AOS DOENTES, EM CASTELO BRANCO 
E SEU TERMO, ENTRE OS COMEÇOS
 DOS SÉCULOS XVII E XIX.
Manuel da Silva Castelo Branco

O presente estudo constitui o prosseguimento de um outro, elaborado para as I Jornadas de História da Medicina na Beira Interior (1989), onde tratei do tema em epígrafe até princípios de seiscentos.
Neste trabalho segui as linhas gerais estabelecidas então para o primeiro, procurando apresentar igualmente por forma sumária as diversas matérias, resultantes de uma investigação aliciante mas complexa e morosa...

I PARTE
No largo período a que nos vamos reportar, continuam a funcionar em Castelo Branco e no seu termo - Alcains, Benquerenças, Cafede, Cebolais, Escalos de Cima e de Baixo, Juncal, Lentiscais, Lousa, Malpica, Mata, Maxiais, Monforte, Palvarinho, Retaxo e Salgueiro - algumas das instituições já referidas anteriormente e, embora surjam outras iniciativas, torna-se notório o desenvolvimento das Misericórdias no decurso destes 200 anos..

O HOSPITAL DOS CONVALESCENTES
Com o objectivo de receber os convalescentes de ambos os sexos, provenientes do hospital da Misericórdia, foi instalado pelo Padre Dr. Bartolomeu da Costa nas casas de residência, que possuía na rua d’ Ega, ali se conservando depois da sua morte em Lisboa, a 27-3-1608. Para o efeito este grande benemérito deixou todos os haveres à Misericórdia de Castelo Branco, por testamento lavrado naquela cidade, a 30-4-1605. 
Os seus bens constavam de duas casas, 2 vinhas, 6 olivais, 9 terras de cultura e um padrão de juro com o rendimento anual de 240000 réis. O Padre Bartolomeu da Costa, que nasceu em Castelo Branco a 24.08.1553, doutorou-se em Teologia na Universidade de Coimbra e foi tesoureiro-mor e cónego da Sé de Lisboa.
Pelas suas virtudes e extraordinária acção caritativa, a Igreja concedeu-lhe o título de Venerável e o Povo apelidou-o de Tesoureiro Santo. Daí, a designação por que ficou também conhecido o Hospital dos Convalescentes, anexo ao da Misericórdia, sob cuja administração sofreu igualmente diversas obras de restauro.

O HOSPITAL DAS MULHERES
Com este nome aparece registado no novo “Tombo das capelas da igreja de S. Miguel, matriz de Castelo Branco”, a propósito do falecimento, em 10.03.1764, de Frei Martinho Gomes Aires, vigário do Colegiado de Santa Maria e morador na freguesia de S. Miguel, “nas suas casas próprias que foram dos Samúdíos, na rua d’Ega, defronte do Hospital das Mulheres”...
Nada mais apurei sobre este hospital que, presumo, pertenceria também à Misericórdia, achando-se próximo dela, na Rua d’Ega, talvez com o propósito de substituir temporariamente qualquer dos outros, em obras de beneficiação. Podemos ainda supor, tratar-se do próprio Hospital dos Convalescentes, situado naquela artéria e assim designado por engano ou por outra razão...

A ENFERMARIA PARA PASSAGEIROS, NA ERMIDA DO ESPÍRITO SANTO
Como já vimos, consistia numa casa anexa à capela-mor da ermida, com a qual comunicava por meio de uma porta sita do lado do Evangelho e medindo 12 palmos de alto e 9 de largo.
A enfermaria tinha 35 palmos de comprido, 23 de largo e 15 de alto, sendo de telha-vã. Ainda existia em 1706 (mas já sem serventia há bastantes anos) quando o Dr. Francisco Xavier da Serra Craesbeek, juiz de fora da vila, procedeu à execução do “Tombo, medição e demarcação de toda a fazenda, propriedade e foros da comenda de Santa Maria do Castelo da notável vila de Castelo Branco” de que era comendador o Infante D. Francisco.

A CAPELA, ALBERGARIA É HOSPITAL DE SANTA EULÁLIA
Situava-se na Rua dos Ferreiros, entre a porta da Vila e Postiguinho dos Valadares, do lado direito de quem ia para a Corredoura, convento da Graça e Paço do Bispo.
A capela tinha toda a frontaria em pedra de cantaria lavrada e um campanário com o seu sino; a portada, virada ao Poente, dava para a rua pública; no altar oposto à entrada principal, estava o retábulo e nele, um crucifixo de marfim e as imagens de Nossa Senhora da Conceição e de Santa Eulália. Aos lados do altar abriam-se duas portas: a da esquerda para a sacristia e, a da direita, para a albergaria e hospedagem dos passageiros.
Esta última sala, com 4 varas e 3 quartas de comprimento e 3,5 de largura, tinha mais duas portas e nela havia uma chaminé e quatro camas para os viandantes pobres e peregrinos, que ali se poderiam recolher e agasalhar durante três dias...
Assim vai descrita esta casa, embora mais detalhadamente, a 26.02.1770 no “Tombo do Morgado de Santa Eulália”, efectuado então sobre a direcção do Dr. José Inácio de Mendonça, corregedor e ouvidor da Comarca de Castelo Branco, cavaleiro da Ordem de Cristo e do desembargo de Sua Majestade.

A BOTICA DO PAÇO DO BISPO
Após a construção do seu paço, no extremo Norte da Corredoura, em 1596-98, os Prelados da Guarda (a cuja diocese pertencia a vila de Castelo Branco) ali passaram a residir com frequência, não só por virtude das costumadas visitas pastorais mas também para fugir aos rigorosos Invernos da sede do bispado.
A eles se deve a primeira fase de valorização daquele edifício, quer no arranjo de vários anexos, quer no enriquecimento do seu recheio (móveis, livros, vestimentas, quadros, utensílios de cozinha, etc, etc.).
Em 1771, D. José I desmembra da vasta diocese da Guarda o novo bispado de Castelo Branco e eleva esta vila a cidade. Assim surge a segunda fase no
desenvolvimento do Paço Episcopal, com a sua ampliação e embelezamento, tornando-se sem dúvida o edifício de maior envergadura da região. Entre a ilustre série dos prelados da Guarda, destaca-se a figura de D. João de Mendonça (1711-1736), o fundador do famoso Jardim do Paço, distinto numismata e bibliófilo, ao qual se deve também o estabelecimento de uma preciosa botica.
Para cuidar dela contratou o boticário João Rodrigues Curado, ao qual legaria (por sua morte) a quantia de 40.000 réis.
Ora a botica, bem fornecida e qualificada, era utilizada não só nos serviços internos, mas posta com toda a liberalidade à disposição dos necessitados. E esse costume manteve-se enquanto ela existiu..

O RECOLHIMENTO DAS CONVERTIDAS OU CONSERVATÓRIO DE SANTA MARIA MADALENA
Mandado construir, em 1715 na Rua do Cavaleiro, pelo Bispo D. João de Mendonça (que encomendara o respectivo projecto ao cap. Eng° Valentim da Costa Castelo Branco), seria concluído mais tarde no tempo do seu sucessor D. Bernardo António de Melo Osório (1742-1771). A inauguração oficial deu-se a 14.02.1753, com uma procissão solene tendo à frente o prelado, mas só a 25 de Março começaria a funcionar, ao entrar a primeira regente, a porteira e três recolhidas. Inicialmente, o Conservatório destinava-se a recolher “mulheres que por seu desamparo estavam em risco de ruína conservando-se em liberdade e aonde ao mesmo tempo se empregassem no culto e louvor a Deus”. Em 1769, admitiam-se 3 categorias de recolhidas: gratuitas “escolhidas entre as mais pobres do bispado e que prometessem maior progresso em virtude”, que recebiam diariamente 40 réis; porcionistas, que pagavam anualmente 30.000 réis; e seculares, as que entravam “sem ânimo depermanência”.
Nos estatutos especificavam-se, entre outros, os ordenados ao médico da casa (6.000 réis) e ao sangrador (3.000 réis). O último bispo de Castelo Branco, D. Joaquim José de Miranda Coutinho, conseguiu transformar um pouco os hábitos das recolhidas, criando nele uma escola do sexo feminino, por elas regido e com o fim de lhes ocupar o tempo. Porém, após o seu falecimento, tudo voltou ao antigo e o Recolhimento entrou em franca decadência... No seu edifício seria instalado o Asilo Distrital da Infância Desvalida (1867).

NOTA:
Aos responsáveis pela edição dos cadernos relativos às Jornadas de História da Medicina na Beira Interior, este albicastrense só pode mesmo dizer-lhes, que não desmereçam perante as muitas dificuldades.
Desejando ainda, que nos brindem com estes cadernos por muitos e muitos mais anos.

PS. Para quem se interessar por este tipo de leitura, só tem que clicar em: www.historiadamedicina.ubi.pt/cadernos.html.
O Albicastrense

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