(Continuação)
Em 1820 a revolução mais genuinamente democrática e
liberal, que Portugal conta nos tempos modernos, tinha querido implantar no
país o verdadeiro e democrático constitucionalismo política e civil, mas o povo
brutificado e fanatizado por uma deprimente educação fradesca, encara à
primeira vista o movimento patriótico de emancipação social com estupido
indiferentismo, e mais tarde possuíra-se de terror e odio contra os vintistas.
Sugestionado pelos frades, que lhe faziam crer que a revolução era obra de
impios e pedreiros-livres, que só queriam destruir a religião cristã, e
assassinar el-rei.Os teocratas continuavam assim a fazer frutificar a
reação às ideias democráticas do marques de Pombal. Distanciando Portugal da
revolução democrática da europa culta, distanciando igualmente do movimento
intelectual, que fulgurava por esse mundo fora, principalmente em França
“tardios e amortecidos chegaram
até nós os ecos do progresso europeu; maior que a barreira dos Pireneus
separava a península do resto do mundo a cordilheira alterosa do fanatismo e da
ignorância.
A
política da santa aliança veio também em auxílio do direito divino que, por
influxo da grande revolução francesa ameaçava ruir na Europa; e por todos estes
motivos as primeiras conquistas da democracia portuguesa tiveram uma existência
efémera. Aos esforços da burguesia no sentido liberal faltou o concurso do
proletariado em Portugal.
A clerezia e a fidalguia, classe neófobas por
conveniências próprias contrariaram, aliadas á casa reinada, todas as
aspirações à liberdade. Nestes termos, como era de prever, a contra revolução
tinha de ser. Não obstante a rápida regressão ao estado absolutista, o fugaz
mas brilhante raio da luz liberal, apagado pelas trevas do obscurantismo,
bastou para evidenciar que a grande alma Lusitânia existia pura e incorruta,
como um diamante por lapidar, perdido num esterquilínio.
Os vintistas, embora alguns menos sinceros, e quiçá mais
tímidos ou venais, se haverem, depois de 26, bandeado com os cartistas,
constituem uma plêiade de astros de primeira grandeza, cujo brilho jamais
poderá ser ofuscado pelas malquerenças absolutistas.
A Vila-Francada inutilizou a grandiosa e patriótica obra
dos vintistas, derribando a constituição mais liberal e sincera de Portugal
teve, e talvez terá, mas a história, serena e imparcial, já deu o seu veredito,
louvando a glorificando os vencidos e deturpando e amaldiçoando os vencedores.
Com o falecimento de D. João, veio á discórdia entre a
família Bragança e os irmãos D. Pedro e D. Miguel, julgando-se cada qual com
direito á posse da lista civil portuguesa, atearam a guerra civil, faltando aos
juramentos, que tinham prestado, esquecendo os mais elementares princípios dos
deveres patrióticos e religiosos, invocando ambos o seu direito por gratia Dei.
Expolido, empobrecido, enfraquecido, completamente
arruinado Portugal teve finalmente de submeter-se ao mais forte dos
contendores, que por merce lhe deu uma carta de foral, sem consultar o povo, o
qual aceitou a carta, ele que havia pouco ajudara a deitar abaixo uma
constituição democrática.
Implantando definitivamente em Portugal o regime da carta
constitucional, depois da convenção de Évora-Monte, devia seguir-se um período
de sossego e de reparação, fomentador de regeneração do país; já porque desde
então o partido miguelista nunca tornou a lutar á mão armada, já porque se
impunha aos dirigentes a obrigação de restaurarem as forças vitais da pátria.
Não aconteceu porem assim. Uma nova época de convulsões políticas
algumas ate bastante graves, teve principio, motivada pelos pseudoliberais,
constitucionalistas-absolutistas, cartistas-ditadores, ambiciosos-conservadores
e devoristas-indisciplinados.
A vida civil e política da nação, agitada constantemente
por sucessivas revoltas, pronunciamentos e motins, em que o povo era arrastado
sem consciência, servindo apenas de instrumento as ambições duns as ideias
apaixonadas doutros, e ao insofrido egoísmo autoritário de todos, foi durante
muito tempo, uma desordenada escola de perversão moral, social e intelectual,
cujos frutos, bem amargos ainda hoje estamos tragando.
A carta de 1826 teve um vicio de origem,
que sempre lhe imprimiu carácter. Ela não foi feita nem para o povo, como o
fora a constituição de 22. É certo que não foi o povo, segundo a significação genérica dada á
palavra, quem fez a revolução de agosto de 29, mas foram cidadãos de origem
plebeia e popular, e que tinham só a mira no alargamento das franquias e
regalias populares.
(Continua)
O ALBICASTRENSE
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