(ALBICASTRENSES DO PASSADO)
Várias vezes aqui postei dados sobre Maria Emília Louraça de Oliveira Pinto, por isso, ao descobrir o texto que vai ler a seguir, não podia deixar de o postar.
Pois, tanto a personagem do texto (Maria Emília Louraça), como o autor (H. Correia Pardal) são merecedores desta publicação.
Maria Emília Louraça de Oliveira Pinto, nasceu na rua
dos Cavaleiros em 1869. Faleceu em Castelo Branco a 12 de Fevereiro de 1925.
UM BELO TEXTO DE H. CORREIA PARDAL
Maria
Emília Louraça, de seu nome complete Maria Emília Louraça de Oliveira Pinto,
albicastrense de nascimento, que viu a luz na íngreme Rua dos Cavaleiros, no
ano distante de 1869, ao que nos informa o bom e culto amigo Sr. Manuel de
Oliveira Barata, seu sobrinho, que já na idade proveta, dirigiu um dos jornais
da cidade, como todos os de então de vida fruste e inglória “A Aurora”.
Quem
a conheceu verá aqui, ante o seu nome, desenhar-se na tela da retentiva, o
esquiço dum vulto frágil de mulher, vincando todavia em muitos traços
impressivos. Era um tipo. Um tipo que já lá vai. Mas ei-la que vem.
Seus
cabelos brancos são uma auréola, amoldurada uma face de pergaminho, sem outra
beleza que não seja a que lhe transluz do espirito inquieto e ardente, que é
uma chama vivaz, lucilando na pobre lâmpada de argília duma carcaça de
original, sempre revestida da mesma indumentaria escorrida e austera, em pregas
hirtas de habito talar.
Se
fala, assusta. Sua máscula voz é um trovão. Destituída na verdade de toda a
graça do sexo, do tempo das sufragistas inglesas, a que dá ares, e solteirona,
claro, não era contudo sua qualidade de professora, simplesmente, que a víamos
sempre entre crianças, sempre precedida dum esquisito cãozinho que tinha os
dentes de fora, sempre, um cãozinho que bem sabíamos que não mordia e era
assim, talvez, porque sorria…
Talvez
o animal não ignorasse (sabe-se la´…) que os velhos trapos flutuantes de que ia
no enlaço seriam o invólucro humano que sonegava das vistas do vulgo, como a
ganga vil, uma alma de oiro…
Maria
Emília, Louraça, professora que foi na sua escola de ensino particular, diurno
e noturno, proletária também na sua oficina de encadernação, e ainda literata,
por via de tudo isto pobre, muito pobre, sem embargo de se abrirem para ela,
entre as alas populares, as portas solarengas de gente grande da cidade…
Teve
princípios, neta do Juiz Auditor da Região Militar, Francisco de Oliveira
Pinto, filha do professor, João de Deus de Oliveira e afilhada do ilustre José
Pedro Morão, erudito que entretinha seus lazeres com a prática da arte de
encadernação, fechado num aposento que a pequena Maria Emília espionava pelo
buraco da fechadura, modo por que inteligentemente veio a aprender o ofício.
Mais
tarde, herdeira de todos os apetrechos oficinais, tendo por necessidade de
fazer-se profissional, havia de bem-dizer em si, a propósito, a decantada e nem
sempre despicienda curiosidade feminina.
Reduzida
de facto, não sabemos por que circunstancias adversas, a nua e crua pobreza,
houve que trabalhar para viver.
A
luta foi com certeza heroica, visto que achou sempre maneira de rasgadamente
praticar o bem, sempre fiel ao amor das letras, um signo tantas vezes glorioso
como tantas vezes fatal. Com efeito, manietada embora ao ponto de descarnada
penúria, todas as sua atividades gravitaram ao derredor dos livros, professora,
encadernadora e proprietária também de modesta livraria, ali à Rua da
Ferradura, onde nós íamos à cata das histórias da carochinha e dos bonecos de
estampar.
Lá estava ela.
Então verificamos que o trovão sabia ter também
amavilhoas modulações, de balada longínqua e saudosa. Certificava-nos de que éramos bem-vindos e seriamos bemquistos. E assim foi que já na adolescência sonhadora
aquela estranha nigromante havia de pertentar aos nossos olhos extasiados as
refulgências dum autêntico tesouro, maravilhoso.
Um
tesouro? Sim. Esse foi para nós as cartas que nos mostrava, tracejadas em
largas folhas de papel por uma pena ágil e resoluta e subscrita por nome prestigioso
e consagrado, Ana de Castro Osório.
Não
desdenhava corresponder-se com Maria Emília Louraça e excelsa pensadora que não
foi apenas a avozinha da literatura infantil em Portugal, mas, emula de Maria
Amália, se a esta, não acompanhou tão alto no surto puramente intelectual da
expressão literária, militantemente abraçou a defesa dos mais nobres ideais
sociais, e foi mais longe…
Nada
ainda agora melhor nos fala de Eleonora Roosevelt de Castelo Branco do que essas
cartas da grande escritora de Portugal e Brasil.
A
própria obra esparsa da nossa conterrânea mal a conheceu. Sabemos que fez o
elogio patriótico de D. Carlos, a quando da inauguração do caminho-de-ferro da
Beira Baixa, e compôs o elogio funerário de Tavares Proença Júnior, notável
erudito e investigador e benemérito do nosso museu, ao chegarem de Lausanne, os
seus restos mortais. Mas onde para isso? Coisas do tempo, levou-as o vento….
Isso
e a sua colaboração na Enciclopédia das Famílias e no Almanaque de lembranças,
tudo isso ignoramos.
Muito
bem conhecemos, no entanto o seu jornal, “A
Aurora”, e é por ele que recordamos aqui Maria Emília Louraça, como vulto
precursor da imprensa regional dos nossos dias. Nesse tempo, as escassas águas
estagnadas albicastrenses não dessedentavam as florações do espirito, e só mais
tarde, viriam os caudais da Gardunha, como de Fonte de Juventa.
O
nosso jornalismo era coisa infelizmente limitada quase sempre a baixa
retaliação paritária ou a reles enxovalho pessoal. Raras foram as exceções, e
entre elas, decerto, “A Aurora”. Não
chegaria a definir-se completamente, mas teve um objetivo, e tinha um ideal. Um
objetivo útil, um ideal humano…
Por
isso reverenciamos com saudade a sombra que perpassou agora aos nossos olhos,
figura do lusco-fusco, nimbada de luz indecisa, a perder-se longe, além tão
indecisa luz que nos perguntamos se é uma acaso ou uma alvorada.
Texto da autoria de H. Correia Pardal,
publicado na revista
“Estudos
de Castelo Branco”, em Julho de 1963
O Albicastrense
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