MEMÓRIAS DA TERRA ALBICASTRENSE
Do livro, "A Propósito da Monografia de Castelo Branco", da autoria de José Germano da Cunha (1891), retirei o texto que podem ler a seguir.
Confesso que adorei o texto e que muito adoraria eu, ter conhecido este excêntrico albicastrense do passado.
ALEXANDRE ANTÓNIO PEDROSO
“O
CELEBRE MORGADO DA ALEGRIA”
Falecido em Castelo Branco em 1850. Este homem dotado
de prestigiosa força muscular pegava em dois bons sacos de sementes, um em cada
mão, e subia uma escada com a maior agilidade. Contudo, e este desenvolvimento
físico não correspondia o intelectual. Possui-a abastada fortuna, e isto
provavelmente fez com que o dispensassem do incomodo de estudar, como as vezes
acontece. Pertencia as famílias ilustres
do Condo Redondo e Marques das Minas.
Cercado
de mimos na sua infância, e deste então acostumado a viver fora do seu seculo,
conservou sempre várias tradições e hábitos fidalgos da corte na idade media, a
par das mais ridículas superstições.
Vestia sempre de seda, ou de veludo,
trajava ele casaca, colete de grandes abas, recamado de luzentes lentejoulas,
calção e meias, sapatos de fivelas, chapéu armado, bastão de marfim tao alto
como ele, que o era bastante.
Uma
figura. E por este modo se apresentava em toda a parte. Livre de preconceitos, arreceando-se
muita das mulheres, tinha verdadeiro horror as bruxarias, feitiços e mãos
olhados. Por isso esse extraordinário excêntrico ia, a altas horas de noite,
todo diplomático de bilha na mão, buscar água ao chafariz para que lha não
enfeitiçassem. Conta-se também que serviçais seus, depois de fazerem oscilar
fortemente os presuntos que pendiam do teto, o chamavam para ele ver que os
mesmos presuntos estavam embruxados e os mandar imediatamente por fora de casa,
o que solicitamente se cumpria sem demora. E o mesmo destino tinham muitos
outros objetos acometidos de igual doença.
Sempre
alheio a todo o movimento progressista da sociedade, este notável, atravessava
as ruas da cidade sem ser perseguido pelos apupos da rapaziada como figura
carnavalesca. Caminhava altivo e sobranceiro, como uma tradição viva, uma
relíquia respeitável, legada pelas nobres gerações extintas no século das
grandes transformações em todos os ramos da atividade humana.
Este homem podia
ter visto o Marquês de Pombal em todo o esplendor da sua omnipotência e mais
tarde ao seu desterro. Podia ter aos 14 anos, assistido á tomada da Bastilha e
depois à decapitação de Luís 16º e de Maria Antonieta, a todo esse caos da
revolução francesa, donde saiu a luz da liberdade e de emancipação e a quantos
sucessos se seguiram extraordinários e demolidores do antigo regime, os quais
presenciou na parte respeitante ao nosso país. E ele. de pé entre os seus
amarelados pergaminhos, como estatua de bronze levantada em seu pedestal,
apontava para o passado, dizendo-lhes: “Sou teu”.
E
firme e intemerato viu desabafar em redor de si instituições, crenças, costumes
e quanto pertencia a uma civilização condenada ao ostracismo. Sobre esses
escombros ergueram-se as sociedades modernas tao diversa, tão outras. E ele,
representante do retrocesso, conservou-se sempre fiel às tradições e preconceito
de raça, no seu posto, como protesto vivo, talvez inconsciente, contra a
invasão das novas ideias, que proclamavam os direitos do homem. Não se
insurgiu, empregando meios violentes, ou mesmo diatribes aceradas.
A
sua individualidade própria era o protesto mudo e singelo; o modo de se
apresentar, a riqueza exótica do seu traje, o seu carácter cavalheiroso e inofensivo,
tudo isto lhe atraia o respeito e a consideração publica, e fez com que
atravessasse incólume as épocas calamitosas, que afligiram Portugal. Não podia
deixar de despertar os sorrisos escarnecedores e muitos dos que o viam; porem,
não se passava disto.
Não era um doido, ou um idiota; era simplesmente um excêntrico,
cuja memória eu respeito, porque encontro nesse vulto original, único talvez em
toda a península que quer seja de sublime e épico. Não longe das suas 80 primaveras, fez a maior das tolices. Casou? Perguntará o leitor. Não
senhor; nessa não caiu ele; já aqui se disse que tinha um medo supersticioso das
mulheres. A tolice, que fez, foi deixar-se morrer. Há quem diga que o mandaram para
cova de patinho e capela.
PS. O texto está escrito tal como José Germano o escreveu 1891.
O ALBICASTRENSE
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