sexta-feira, setembro 12, 2014

A TERRA ALBISCASTRENSE

VINTE ANOS DEPOIS - (II)
(continuação)
Caminhei em busca de casa onde fosse possível instalar-me. As pessoas não me conheciam já, e eu só neste ou naquele mais idoso, notava traços do que tinham sido, sem que pudesse ligar nomes a pessoas.
Depois fui à Sé – igreja onde me batizaram – fazer a minha oração, como cristão convicto que sou. O ambiente era, como foi sempre, acolhedor, só os homens teriam mudado muito. A fé pareceu-me maior. Percorri ruas e vielas, algumas das quais não tinham mudado nada de especto e dirigi-me ao Castelo para aproveitar a altitude para maior domínio sobre o horizonte, dominando todo o panorama que de baixo me era impossível.
Que belo miradouro!... Coisa nova também, convidativa e confortável, que as entidades administrativas criaram para delicia do seu povo, ou do viajante, como eu. Uma suave escadaria, coberta de árvores novas formando arcadas, dominava o declive outrora escarpado e ia perder-se numa esplanada ajardinada, com um esplêndido lago e outras árvores também novitas, cuja sombra me convidou a ficar mais tempo, comodamente instalado a uma mesa de granito. Bebi até fartar, agua fresca que o local também me forneceu.
Lá estava ao longe a Serra da Estrela, coberta ainda de neve, qual lençol muito estendido a secar, que a mão da natureza ali colocou. Na minha frente, o cabeço do Cansado, coberto de casas. No meu tempo tinha apenas uma, o matadouro municipal. O Parque e o Jardim do Paço eram outras maravilhas, que embora já existissem estavam agora mais formosos e cuidados. Até a quelha da Alegria, com sua lenda, deram lugar a outro incendimento útil, “o lactário”, salvo erro.
À volta do quartel de Cavalaria, notava-se nitidamente dali, o muito que estava feito e o muito que também estava em via de realização. Por toda a parte, coisas novas, testemunhos vivos dos homens de boa fé e vontade firme. Na segunda-feira de manhã, fui à casa Magna, das minhas intimidades de criança. O pai Magno, mantinha ainda e seu expecto vigorosa e os anos não o haviam feito mudar de expecto. Era ainda o mesmo. O filho estava calvo, tinha engordado, usava óculos. Eu nunca mais reconheceria nele o meu “Quim” de infância, se não fora uma fotografia que gentilmente me ofereceu há uns 3 ou 4 anos.
Enquanto ultimei uma conversa banal, principiada já depois da despedida, minha família seguiu em direcção à praça. Vi que pararam à porta do meu antigo patrão e notei que a minha mãe olhava para dentro com certo espanto. Não sei o que senti, ao ver surgir de dentro do balcão a figura daquele que considerava morto há muito, desempenado, como foi sempre e, nos lábios um sorriso acolhedor, que eu também conhecia. Só quando o senti nos braços tive a plena convicção de que os meus olhos me eram fiéis. Tive necessidade de beija-lo, único meio de me libertar do peso que me comprimia o peito e me sufocava em absoluto.
Convidou-me a acompanha-lo ás cinco da tarde num passeio pela cidade, que aceitei com visível alegria. Também à família J. Morão eu devia atenções e quis ser cumpridor do dever para com aquela gente, a quem o meu pai serviu muitos anos e que para mim tinham sido duma extrema bondade. Procurei pelo pai e apareceu-me o filho. Aquele tinha falecido, soube-o nesse momento. Mais um amigo que eu teria de apagar da minha memória terrena.
A mãe, senhora cuja imagem nunca se me varreu do sentido – morena, alta, esbelta, olhar vivo e penetrante, inteligente e culta – conservava ainda muitos destes traços, meus conhecidos da sua juventude.
Era agora uma viúva e as vestes do luto também contribuíam para me parecer que os anos lhe haviam produzido estragos. O filho já o não conhecia. Revivi naquele momento gratas recordações as minha infância, algumas já com quase 30 anos passados.
Pouco demorou a nossa conversa, mas foi o bastante para me convencer que as pessoas, as mesmas de outros tempos, estavam ali e o filho havia encarnado os dotes de bondade do pai.
Às 5 horas combinadas, apresentei-me ao meu ilustre cicerone. Percorremos a cidade e mostrou-me com pormenores tudo aquilo que no decorrer de 20 anos se tinha feito. Isto é: Fez-me passar por uma data que o tempo jamais pode apagar e conclui que a revolução continua. O Parque e o Hotel de Turismo, ficaram-me bem vincados na memoria, por serem indispensáveis ao viajante. Para os descrever com exactidão, teria que escrever algumas paginas e tornava-me enfadonho, mas afirmo, sem receio de errar, que Castelo Branco tem dois verdadeiros mimos de conforto e beleza que, ao pé de outros bons, são indiscutivelmente iguais e juntos aos melhores, não envergonham a Cidade.
Visitar Castelo Branco, hoje é já ter a certeza de encontrar ali tudo quando se deseje. E dada a circunstancia do serviço bem organizado e económico de transportes e esplêndidas estradas, aquela Cidade beirã proporciona um período de ferias tranquilas e pouco dispendiosas. Se fosse médico, diria até que o seu clima é benigno, e aconselhava-o para muitas curas de repouso.
Por esta simples forma, pretende dar aos meus ilustres conterrâneos conta do meu elevado apreço pelas suas iniciativas no desenvolvimento sempre crescente da nossa terra, que a todos muito honra, e agradecer a quantos me facultaram desfrutar comodidades e prazeres ou me facultaram os elementos necessários para a ficara conhecendo melhor.
Em 17- 04 - 1951 
José Roxo
Ps. O artigo de José Roxo,  foi postado neste blog tal como foi publicado em 1951.
O Albicastrense

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