sexta-feira, janeiro 22, 2021

O RETRATO DE FREI ROQUE DO ESPÍRITO SANTO E FREI EGÍDIO DA APOSENTAÇÃO.

NO
MUSEU DE FRANCISCO TAVARES PROENÇA JÚNIOR
(O que disse José Lopes Dias sobre esta pintura)

Desde logo a primeira impressão é aliciante, na harmonia geral da composição, no seu aparato egrégio, mas pujante de realismo, na perfeição do desenho e no colorido apaixonado dos tons magníficos, onde primam o azul, o vermelho e o branco, em que tudo, na verdade, inculca o valioso trabalho de séc. XVII.
Do lado esquerdo, frei Egídio, no hábito negro dos ermitãs de Santo Agostinho, a face calma e reflexiva de um mestre, abaixa a mão esquerda para um volumoso livro aberto sobre o pavimento, a sua obra de místico e filósofo, enquanto aponta ao céu com a mão direita, como se ensinasse a filosofia de Deus!...
E o semblante exprime efetivamente a mensagem de um intelectual e pensador de escolástica, de um místico ou de um asceta. Frei Roque, na sua frente, veste o hábito branco dos Trinitários, assinalado pela cruz de braços, a azul e a vermelho, a bela cabeça resplandecente de glórias e trabalhos sem fim, tisnada pelo duro sol africano, longas barbas de romeiro e missionário, exponde com os olhos e a alma postos no grupo celestial as mãos piedosas sobre a figura gentil e humilde de um cativo, ajoelhado a seus pés… O espírito voa-lhe para o céu, para as figuras da Trindade, enquanto as atividades práticas se multiplicam na remissão de milhares de cativos.
Entre as duas figuras principais, observa-se uma cena miniatural e alegórica, com frei Roque, presidindo à cabeceira de uma vasta mesa à romagem dos monges que vêm entregar as moedas mendigadas por toda a parte, ou vão partir com o dinheiro destinado aos resgates dos soldados nos presídios marroquinos.
Se a metade terrena do quadro contem dois retratos, duas figuras reais, a parte superior é de concepção puramente académica e celestial. 
A figura do Padre eterno veste-se de largas roupagens, em perfeito academismo, tendo uma das mãos sobre o globo do mundo e, a outra sobrevoada pela alva pompa do Espírito Santo; de escultórico torso nu, Jesus Cristo, realista e renascente, qual imagem humana, ostenta na mão esquerda, sobre o peito, a chaga da crucificação, adornando o corpo para a delicada imagem da Virgem.
A virgem exibe, na mão direita, as cadeias quebradas dos cativos, tendo no peito a cruz de Padroeira dos Trinitários e revendo-se no livro aberto das obras de frei Roque. Entre as figuras primaciais concorrem, em segundo plano coros de anjos ou serafins e emergem do caos bambinos de graça imanente e radiosa.
Deve destacar-se, no pormenor o expressionismo das mãos de orador e mestre em frei Egídio, de compaixão e tutela em frei Roque, majestáticas no Padre Eterno, dedicadas e poderosas em Jesus Cristo, enternecidas, as da Virgem; e mesmo os querubins rosados exibem mãozinhas papudas e tenras, como se o artista expressamente desejasse malbaratar o talento com que dominava uma das grandes dificuldades técnicas das artes plásticas.
Indubitavelmente primorosa, a obra é de relevante interesse, quer no seu valor estético, quer na representação histórica de dois personagens ilustres de Castelo Branco, sendo o nome do pintor ainda hoje desconhecido.

A MINHA COABITAÇÃO COM ESTA BELA PINTURA

 Tive oportunidade de ver este quadro pela primeira vez nos anos sessenta, quando o museu ainda morava nas suas instalações anteriores às actuais (edifício anexo ao governo civil). Nos anos setenta, ao ir trabalhar para o museu Francisco Tavares Proença Júnior, ali o encontrei de novo, e lá se manteve exposto ao público até 1993, altura em que o edifício entrou em obras. 
Quando da reabertura do museu em 1998, o nosso frei Roque e frei Egídio deixaram de ter pedestal no nosso museu, e o quadro regressou temporariamente à instituição onde estivera mais de cem anos (Santa Casa de Misericórdia de Castelo Branco), tendo estado exposto ao cimo da escadaria principal desta instituição, entre 2001 e 2006 (onde a foto que ilustra esta publicação foi obtida), sendo retirado e enviado de novo para o museu em virtude do seu mau estado. 
Resta acrescentar que passados dezasseis anos, esta pintura se encontra na reserva do Museu Francisco Tavares Proença, não se sabendo para quando  a sua exposição ao público.

Uma autêntica tristeza, mágoa que nos envergonha a todos.
Os dados aqui apresentados são excertos retirados do livro: ”Os retratos de Frei Roque do Espírito Santo e de Frei Egídio da Aposentação, do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior” da autoria de José Lopes Dias, editado em 1976.  
                                            O ALBICASTRENSE

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