quinta-feira, agosto 18, 2016

CADERNOS DE CULTURA - "MEDICINA NA BEIRA INTERIOR". (XXI)

O AMOR E A MORTE... NOS ANTIGOS REGISTOS PAROQUIAIS ALBICASTRENSES.
 Por Manuel da Silva Castelo Branco

"O DOTE - (I)"
(Continuação)
Assento 46 - Gaspar Mouzinho Magro, desta vila e desta freguesia, faleceu em 29 de Abril de 1685 e está sepultado no convento de Santo António. Fez testamento e instituiu capela na igreja de Santa Maria, com missa quotidiana.
Assento 47 - Aos 30.12.1609, se receberam em a igreja de S. Miguel por marido e mulher, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, António de Brito Homem e Luísa da Costa. Foram testemunhas António Furtado da Costa, António de Azevedo e Paulo Rodrigues Cardoso e assinei/Manuel de Araújo.
Assento 48 - Aos 14 dias do mês de Outubro de 1567, baptizei Francisca filha legítima de Manuel de Valadares e Perpétua da Fonseca. Foram padrinhos o doutor Diogo d’Afonseca e Águeda de Valadares.
Assento 49 - António Feio da Maia e Almeida, natural da vila de Abrantes e viúvo de D. Joana Maria Temudo de Almeida, filho de João Correia Mazagão e de sua mulher D. Maria Feio de Almeida, e D. Oriana Maria Brígida de Brito e Fonseca, natural desta vila de Castelo Branco e desta freguesia, filha de José de Mesquita Martins da Fonseca e de sua mulher D. Maria Paula da Cunha Freire, se receberam por palavras de presença nesta igreja de S. Miguel, na minha presença (o vigário Frei Manuel Rodrigues Corugeiro), em os 29.10.1731, sendo primeiro feito o que determina o Sagrado Concílio Tridentino e Constituições deste Bispado. Testemunhas: António de Azevedo Pimentel Galache e Luís da Cunha Corte-Real, de que se fez este termo que assinei com as testemunhas, dia, mês e era “ut supra”/o vig° Frei Manuel Rodrigues Corugeiro/Luís da Cunha Corte - Real/António de Azevedo Pimentel.
Assento 50 - A 8.2.1572, receberam-se em face da igreja Gomes de Souttomayor, filho de Gomes de Souttomayor e Bárbara Madeira, natural de S. Maninho dos Chãos (bispado de Lamego) com D. Beatriz da Cunha, filha de Sebastião da Cunha e de D. Catarina, desta freguesia.
Assento 51 - Ao primeiro dia do mês de Abril de 1560, baptizei Manuel filho legítimo de Mateus Lopes e de Maria Sequeira. Padrinhos: Francisco de Valadares, Catarina de Sousa e Beatriz Pereira, e assinei / Domingos Tomé.

Comentário
Quando o destino da mulher dependia em certa medida do seu casamento e do respectivo contrato de esponsais, o dote representava muitas vezes para ela (e para o futuro cônjuge) mais que as suas qualidades pessoais, incluindo a própria beleza e nível social... Por tal motivo, alguns beneméritos legavam as suas fazendas para o estabelecimento e concessão de dotes ás raparigas mais desprotegidas e carenciadas de recursos, que assim poderiam encontrar marido com maior facilidade e construir um lar cristão... Entre eles, conta-se Gaspar Mouzinho Magro baptizado a 20.10. 1610 na igreja de Santa Maria e filho de D. Helena Pires e António Magro Mouzinho, da nobre geração deste apelido oriunda de Castelo de Vide. Na terra natal serviu vários cargos da governança e por ela foi procurador às Cortes de 1669.
 Não tendo descendência do seu casamento com D. Catarina Vilela Leitão e possuindo avultados bens, instituiu uma capela na igreja de Santa Maria (57), cuja administração confiou à Confraria de Nossa Senhora do Rosário (por disposição testamentária de 29.8.1684 e codicilio de 28.4.1685) para do seu rendimento se distribuírem dotes a 5 raparigas pobres daquela freguesia, que fossem casadoiras, de boa vida e costumes mas sem raça de cristãos-novos (58)...
A pedido dos mordomos da dita Confraria, a importância de 12000 réis, correspondente a cada dote, foi aumentada para 24000 réis por breve pontifício de 7.5.1803, com o fundamento de ser então menor o valor da moeda e com ela não se poderem adquirir, como em 1685, os artigos suficientes para o princípio da vida de um casal pobre; passaram também para 12 o número de órfãs contempladas.
A história da Confraria de Nossa Senhora do Rosário e, em particular, os esforços que desenvolveu para dar cumprimento ao legado instituído por Gaspar Mouzinho Magro foram tratados minuciosamente por vários Autores, entre os quais o do Dr. José Ribeiro Cardoso (59) e Manuel Tavares dos Santos (60), para cujos trabalhos remetemos os leitores interessados...
O dote constituía, pois, o conjunto de bens próprios com que a mulher entrava para a sociedade conjugal. Estes bens assumiam as mais diversas formas: rendas, dinheiro, casas e fazendas, capelas e morgados, tenças, padrões e ofícios, juros, foros, etc, doados, instituídos ou legados pelos pais, familiares e até estranhos e, muitas vezes, estabelecidos ou confirmados por mercês régias em remuneração de serviços... Assim, no Assento 47 vemos o registo do casamento celebrado a 30. 12. 1509 entre António de Brito Homem e D. Luísa da Costa, que levou em dote o oficio de tabelião do público, judicial e notas da Vila de Castelo Branco. Este fora exercitado com satisfação e durante mais de 25 anos pelo pai da noiva, Paulo de Parada, que alcançara licença de Filipe II para o poder renunciar em favor da pessoa que casasse com sua filha (Lisboa, 8.1.1605) (61). E, efetivamente, António de Brito Homem acaba por ser encartado no dito oficio (Lisboa, 1.10.1615), depois de apresentar provas do seu recebimento “à face da igreja e na forma do Sagrado Concílio Tridentino“, demonstrando também que possuía aptidão e suficiência para o servir.
Curiosamente, ele irá obter mais tarde idêntica mercê de Filipe II para dote do casamento de sua filha D. Joana da Costa (Lisboa, 09.06.1627) (63). No Assento 48, trasladamos o registo de baptismo (em 14.10.1567) de Francisca de Sotomayor, filha de Manuel de Valadares Sotomayor, Moço Fidalgo da C. R. e juiz dos órfãos de Castelo Branco por sua mulher e prima D. Perpétua da Fonseca. D. Francisca casaria na igreja de S. Miguel, a 8.8.1596, com  João Mendes de Paiva, formado em Cânones pela Univ. Coimbra (15.7.1577), provedor da Misericórdia (1609-10) e juiz dos órfãos de Castelo Branco, que levou em dote sua mulher. Atendendo aos serviços prestados na India por seu irmão João de Valadares Sottomayor, D. Francisca teve ainda a mercê régia de uma viagem da China para a pessoa que a desposasse (Lisboa, 11.3.1600) (64).
No Assento 49, acha-se assinalado o registo de casamento de D. Oriana Maria Brígida de Brito da Fonseca, nascida a 10.5.1702 e descendente de uma nobre família albicastrense. União celebrada a 29.10.1731 na igreja de S. Miguel e ajustada pela mãe e irmão da noiva (a saber, D. Maria Paula da Cunha Freire Corte-Real, já viúva e António de Mesquita Martins da Fonseca Barreto, herdeiro da Casa) com o futuro cônjuge, António Feio da Maia e Almeida, cavaleiro da Ordem de Cristo e natural da vila de Abrantes (65), onde o casal iria fixar residência.
Com efeito, o contrato de esponsais fora lavrado a 25.9.1731, em Castelo Branco, nas “casas honradas” (66) da família da noiva, que se comprometeu a dar-lhe o dote de 600.000 réis em dinheiro de contado, incluindo-se nesta importância os 300000 réis do legado da sua tia D. Leonor de Mesquita; mas D. Oriana renunciava às legítimas que poderia haver quer do pai como da mãe, salvo a herança dos avós maternos (Diogo Freire Corte Real e D. Brígida de Almeida), cujos inventários ainda se não tinham executado. Ficaram estabelecidas, igualmente, as arras que António Feio dispunha a favor da futura noiva, a forma de repartição dos bens por falecimento de qualquer deles, etc. (67)
Porém, o destino não favoreceu tão auspicioso enlace, que alguns poetas celebraram em estrofes inspiradas. Efectivamente, D. Oriana não teve filhos e, sendo já viúva, recolheu-se ao Conservatório de Santa Maria Madalena, na Rua do Cavaleiro, onde viria a falecer a 5.7.1775; e, amortalhada no hábito de Nossa Senhora do Carmo, de cuja Ordem era professa, ali foi sepultada na capela do mesmo Instituto, que preferiu ao jazigo da família (“o carneiro dos Fonsecas”), erigido no convento de Nossa Senhora da Graça pelo Dr. Diogo da Fonseca, seu 4° avô. 
Mas os dotes eram também indispensáveis para o enxoval e mantimento das raparigas que desejavam professar nos conventos, quer por devoção quer para ali ficarem “resguardadas dos perigos do mundo”.
(Continua)
O Albicastrense

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