Ao
consultar o livro de Maria Adelaide Neto Salvado, sobre a Capela de
Nossa Senhora da Piedade, deparei-me com o nome de Gil Vaz Lobo. Personagem
que foi enterrada no centro da capela-mor da ermita que na altura de
chamava de S. Gregório, e que mais tarde viria a chamar-se, Capela
de Nossa Senhora da Piedade. Tentei
saber um pouco mais do homem que deixou em testamento, as seguintes
disposições:
“Celebração
de 1000 missas por sua alma (200
das quais deveriam ser ditas em altar privilegiado).
Dizia ainda no seu testamento; no dia do seu enterro, todos os
sacerdotes que estivessem presentes diriam missa e recebendo “por
esmola um tostão”;
e igualmente determinou que nesse mesmo dia fosse dada a cada pobre
que o acompanhasse “um
tostão e uma vela”;
e que quando fosse tempo, se transladassem os seus ossos para a
capela da sua quinta de Odivelas e que nesse dia se fizesse, por sua
alma, um ofício com missa cantada”.
Após
alguma procura, encontrei no blog de história militar dedicado à
Guerra da Restauração, o seguinte.
GUERRA
DA RESTAURAÇÃO
Gil
Vaz Lobo Freire – herói e vilão
Gil
Vaz Lobo Freire, filho de Gomes Freire de Andrade e de D. Luísa de
Moura, foi um dos mais incensados nomes do período da Guerra da
Restauração. Participou com o seu pai no 1º de Dezembro de 1640,
tendo sido um dos nobres insurrectos que procurou no Paço a Duquesa
de Mântua, para a obrigar a abdicar do cargo de Vice-Rainha de
Portugal. Tivesse a Duquesa o dom da premonição, teria razões de
sobra para ficar muito preocupada com o jovem espadachim que lhe
saíra ao caminho, cujas atitudes no futuro – durante a Guerra da
Restauração – demonstrariam uma profunda indiferença pela vida
humana. A par da bravura e valor no campo de batalha, Gil Vaz Lobo (é
assim que é referido em quase todos os documentos) deixaria um rasto
de crimes, que a sua posição social e influência na Corte
conseguiriam, todavia, deixar impunes, livrando-se de condenações
que pareciam tão severas como certas.
O
nobre beirão cedo iniciou a sua carreira militar. Em Fevereiro de
1642 recebeu a patente de capitão de infantaria, passando a servir
em Campo Maior com o seu pai. Em Novembro de 1645 foi promovido a
capitão de cavalos, continuando a servir no Alentejo. A par das
referências elogiosas às qualidades militares do oficial, surgem
alusões ao seu carácter violento e criminoso. Os exemplos que aqui
trago dizem respeito ao ano de 1652, onde num curto período Gil Vaz
Lobo se viu a contas com a justiça por causa de vários crimes. No
início desse ano, um grupo de mulheres de Campo Maior, encabeçado
por uma Catarina Gomes, enviou uma carta ao Príncipe D. Teodósio,
queixando-se da conduta de Gil Vaz Lobo e de outros militares.
Quando, em carta datada de 21 de Março de 1652, o Príncipe ordenou
ao mestre de campo general do Alentejo, D. João da Costa, e ao
auditor geral do exército da mesma província, que abrissem um
inquérito (uma devassa, como então se dizia) aos motivos da queixa,
já era tarde demais. No livro de registos, à margem da cópia da
carta, surge um acrescento recomendando que se iniciasse uma devassa
à morte de Catarina Gomes.
Em
Abril já Gil Vaz Lobo se encontrava na província da Beira, onde o
governador das armas do partido de Penamacor (ou de Castelo Branco,
como também era referido) D. Sancho Manuel pretendia nomeá-lo para
o posto de comissário geral da cavalaria. A carta de 20 de Abril
propondo o nome de Gil Vaz Lobo, enviada ao Príncipe D. Teodósio e
observada no Conselho de Guerra, acabou por trazer à discussão os
crimes recentes do oficial, que não se resumiam ao acontecido em
Campo Maior. No entanto, os próprios conselheiros pareciam dispostos
a fechar os olhos à conduta do capitão de cavalos e inclinavam-se
para a aceitação da promoção, deixando à Coroa a última
palavra. Segue-se a transcrição da consulta:
Nesta
carta apresenta Dom Sancho Manuel a Vossa Alteza a grande necessidade
que a cavalaria do seu partido tem de oficial maior que a governe
porque, por falta dele, tem sucedido e sucedem muitas desordens com a
liberdade que os soldados tomam, e pouco respeito com que procedem
por não terem cabo maior a quem temam, arriscando-se por esta causa
muitas vezes a mesma cavalaria e a reputação das armas de Sua
Majestade e Vossa Alteza quando sucede ir buscar ao inimigo, ou em
nossa defensa, ou em ofensa sua. E por todas estas razões pede Dom
Sancho à Vossa Alteza se sirva de nomear para o posto de Comissário
geral da cavalaria do seu partido a Gil Vaz Lobo porque, por seu
valor e pelo conhecimento que tem daquela campanha, e por suas partes
merece que Vossa Alteza o honre e lhe faça mercê, porquanto a Dom
João Flux [capitão de cavalos alemão], a quem Sua Majestade foi
servido de encarregar o governo dela, lhe sobrevieram tantos achaques
que está impossibilitado por razão deles para exercitar o governo
dela, e incapaz para montar a cavalo, havendo pouco de um ano que o
não faz.
Vendo-se
em Conselho a carta de Dom Sancho, pareceu fazer presente a Vossa
Alteza a resolução que Sua Majestade tem tomado, de que os
criminosos, enquanto não estiverem livres dos crimes que se lhe
imputam, não possam ser providos em postos. E que Gil Vaz Lobo se
livra de alguns crimes no juízo da assessoria deste Conselho em três
processos, um deles sobre a morte de um homem sucedida em Estremoz,
pela qual está sentenciado em final em pena de cinco anos de degredo
para o Brasil e guerra de Pernambuco, e em duzentos mil réis para a
parte com pregão em audiência. Esta sentença se não tem tirado do
processo até agora, nem executada por não haver parte que o
requeira.
Os
outros dois processos são sobre o ferimento feito ao corregedor
Sebastião Vieira de Matos e morte do seu escrivão; estes estando
conclusos a final, se mandou acabar de tirar em Campo Maior certa
devassa de outros casos em que também é culpado, e correr folha em
Elvas, esta diligência há dias que se cometeu por cartas de Sua
Majestade ao mestre de campo general e ao auditor geral em segredo, e
até agora se não tem satisfeito a ela, e por se esperar resposta,
se não acabam de sentenciar estes dois feitos.
Por
ser este o estado em que se encontra o livramento de Gil Vaz Lobo,
pareceu também ao Conselho representar a Vossa Alteza que se houver
lugar de se poder dispensar no impedimento que Gil Vaz tem (conforme
a resolução de Sua Majestade que fica referida) para haver de ser
provido em posto, estando criminoso; e Vossa Alteza tiver por
conveniente habilitá-lo para ir servir de comissário geral da
cavalaria deste partido, será mui bem empregado nele todo o favor e
mercê que Vossa Alteza nisto lhe fizer, por o merecer por seu valor
e pelo zelo com que tem servido, e também por ter préstimo,
experiência e particular génio para ocupar aquele posto. Lisboa 14
de Maio de 1652.
Entre
os crimes cometidos no Alentejo a que a consulta se reporta, um é
certamente o que envolveu a morte de Catarina Gomes, e os outros, os
que originaram a queixa anterior ao desaparecimento da infeliz
mulher. Apesar disso, prevaleceu a influência da poderosa linhagem
dos Freires de Andrade, e Gil Vaz Lobo Freire não foi muito
apoquentado pelos processos em que estava envolvido. Em Agosto de
1659 foi nomeado governador da cavalaria da Corte e comarcas do
Ribatejo, sendo já nessa altura tenente-general da cavalaria da
Beira.
Em
Maio de 1669, mais de um ano após o final da guerra, Gil Vaz Lobo
foi nomeado governador das armas da província da Beira pelo regente
D. Pedro (futuro D. Pedro II). Viria a falecer em Castelo Branco em
1678.
Fontes:
ANTT, CG, Secretaria de Guerra, Livro 16º, fl. 15; Consultas, 1652,
mç. 12, consulta de 14 de Maio de 1652.
Ps.
Seriam as mil missas e as esmolas, uma forma de pagar algumas das
atrocidades que Gil Vaz Lobo cometeu ao longo da sua vida?
O
Albicastrense
Boa pesquisa,
ResponderEliminarDesconheço grande parte da história da minha terra, mas felizmente "O Albicastrense" vai colmatando essas lacunas!
Um grande bem-haja!
Batista disse.
ResponderEliminarVerissimo este post é uma confusão.
Gil Vaz Lobo não tinha Freire no nome
confundis-te alguns personagens.
António Veríssimo disse...
ResponderEliminarEste comentário foi feito no facebook e transportado para o blog. Filo por entender que seria aqui que lhe devia dar resposta, independentemente de ter dado resposta também no facebook.
Veríssimo este post é uma confusão.
Gil Vaz Lobo não tinha Freire no nome, confundis-te alguns personagens.
Batista a que confusão te referes? Embora não seja conhecedor experto nesta matéria, não vejo nenhuma confusão neste documento histórico.
Dizes que ele não tinha Freire no nome, contudo autora do site que me indicaste, diz o seguinte: “O nome nela gravado é Gil Vaz Lobo Freire, mas ele não tinha o apelido “Freire”, embora esse fosse também um apelido da sua família. Em documentos oficiais nunca aparece o Freire”.
Dizes ainda que confundi personagens!.. Quais!?
Pois se assim for... o tal blog sobre a guerra Militar da Restauração, cometeu algumas "gafes", coisa em que não acredito.
Os dados não são meus, mas do Blog de História Militar dedicado à Guerra da Restauração ou da Aclamação, 1641-1668.
João.
ResponderEliminarÉ sempre bom conhecer-mos a nossa história, mesmo quando se trata de pessoas que nos possam causar alguma consternação.
Coisa que parece ser o caso deste; Gil Vaz Lopo.
Abraço
Boa noite António Veríssimo, em primeiro lugar os meus parabéns pelo seu blog. Tenho investigado a vida e obra de Gil Vaz Lobo Freire que como refere foi sepultado primeiro na Capela de São Gregório em Castelo Branco que posteriormente teve o nome de Nossa Senhora da Piedade, onde tem uma campa. Posteriormente como deixou escrito no seu testamento, deixou os seus bens a sua irmã para a construção de uma Capela de invocação a Nossa Senhora do Monte do Carmo, para onde o seu corpo foi transladado em 1695, e onde existe a sua sepultura. Se consultarmos as fontes primárias da época ficamos a saber que o seu nome era Gil Vaz Lobo Freire como diz, porque era filho de Gomes Freire de Andrade, tendo participado com o seu pai como um dos conjurados na Restauração de Portugal de 1 640, e nas guerras que se seguiram durante mais 28 anos nas fronteiras entre Portugal e Espanha. Um dos documentos que consultei para confirmar o seu nome foi a Pedatura lusitana (nobiliário de famílias de Portugal), mas existem outros documentos que confirmam este nome.
ResponderEliminarEsta capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo está integrada no edifício da Biblioteca Municipal D. Dinis, que fazia parte da sua Quinta como nome de Nossa Senhora do Monte do Carmo.
ResponderEliminarna cidade de Odivelas.
ResponderEliminar