quinta-feira, agosto 18, 2022

O AMOR E A MORTE... NOS ANTIGOS REGISTOS PAROQUIAIS ALBICASTRENSES – (9)

Por Manuel da Silva Castelo Branco

(Continuação)
Nesta ordem se dirigiu este fúnebre cortejo.Sé desta cidade, aonde a Câmara havia mandado construir uma soberba essa coberta de baeta preta eguarnecida de galões e emblemas da Morte, tendo em cima do túmulo uma Coroa Real. Ali assistiu todo este luzido acompanhamento e imenso povo a um pomposo ofício e missa de defuntos, celebrado pelo Ilmo. e Rmo. Vigário Capitular e Governador deste Bispado, Dr. Manuel dos Reis Soares, assistido por todo o clero secular e regular de 2 léguas de circunferência, que para este efeito tinha convidado, sendo grande o concurso de pessoas de um e outro sexo.
No fim da missa, Rdo. P. Frei Joaquim de S. Martinho, definidor da Província da Soledade, pregou um eloquente sermão, seguindo-se as Absolvições na forma do ritual, a que assistiram todos os eclesiásticos com velas acesas (que a Câmara lhes mandou distribuir). Durante a cerimónia, o Regimento de Cavalaria 11, que se achava postado no grande Largo da Catedral, deu as suas descargas.
Findas estas piedosas cerimónias, o cortejo recolheu na mesma ordem à casa do dito juiz de fora, manifestando todos no seu semblante o grande sentimento de que estavam penetrados pela lamentável perda da nossa amabilíssima soberana»(21) José Manuel Vaz Touro, o autor deste relato, nasceu em Castelo Branco a 5.5.1770, sendo filho de João Mendes do Amaral e de sua mulher D. Francisca Bernarda Fragoso. Por diploma régio de 29.4.1803(22), foi encartado no oficio de escrivão da Câmara daquela cidade, que exerceu até à data do seu falecimento.
Casou com D. Maria Joaquina Alves Fradique que, sendo viúva, alcançou de D. João VI a propriedade do dito oficio para a pessoa que casasse com sua filha primogénita (Lisboa, 23.9.1823) ...(23) VII - Retrato de uma Jovem Matrona Albicastrense dos Começos de Setecentos Assento 15 (S2 - 3B, fl. 34) - Francisca, filha de Afonso da Gama Palha natural da cidade de Elvas e de sua mulher D. Ana Maria da Silva Sotomayor desta
freguesia e primeiro matrimónio, nasceu aos 22 de Outubro de 1695 e foi baptizada aos 6 dias do mês de Novembro da dita era pelo P. Manuel de Valadares Sotomayor prior do Teixoso e tio da dita baptizada, de minha licença. Foram padrinhos o desembargador Luís de Valadares Sotomayor e D. Francisca Sotomayor, respectivamente, avô e tia da dita baptizada. E, para constar, fiz este assento dia, mês e era «ut supra» / O Vig°. Frei João Marques.
Comentário.
Assim se acha registado o nascimento de D. Francisca Xavier Filipa da Gama Sotomayor, filha única e herdeira da casa de seus pais, pertencentes afamílias nobres do reino. Contando quási 14 anos de idade, casou em Elvas a 31.7.1709 com D. João de Aguilar Mexia de Avilez e
Silveira, natural de Arronches, fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo e familiar do Santo Oficio, filho de D. Afonso de Aguilar Monroy e D. Filipa Mariade Sequeira.
Casamento tratado pelos pais dos noivos e que iria florescer como se de amores tivesse nascido. Viveram em Elvas com grande Casa e numerosa
descendência, mas D. Francisca seria vítima de trágico acidente, quando
consumavam sobre a data desta feliz união 14 anos, 2 meses e 9 dias, «sem que em todo este tempo houvesse entre ela e seu marido o mínimo
desgosto, discórdia ou hora de arrependimento mas antes se trataram sempre em admirável paz com a mesma ternura e fineza que se pratica entre os noivos»... Autor da época deixou-nos um relato pormenorizado e interessante acerca desta família, onde destaca por forma singular a figura da jovem senhora, que retrata do seguinte modo:
 - «De corpo gentil, branca e corada como uma rosa, cabelo bem povoado e mais louro que castanho, olhos pequenos mas vivos e em todas as mais feições, com proporção engraçada, se compunha de uma particular beleza. Participava mais luz o seu entendimento do que costuma caber na esfera do discurso de mulher; modo grave e senhoril, sem deixar de ser afável; airosa e bem prendada no tratamento de sua pessoa; benigna e prudente de condição; vigilante com a sua família e cuidadosa no governo dela”.
 No público sabia ser senhora e, no particular da sua casa, especulativa e laboriosa, unindo felizmente os dois extremos de ter governo e ser liberal. Era agradecida e primorosa e, sobretudo, fidelíssima à veneração de seus pais e ao amor e estimação de seu marido. Sem exemplo na doutrina e educação de seus filhos pois amando-os com o maior carinho, como se fora só um o objecto do seu amor estando igualmente repartido por dez, os ensinava em religiosos costumes, com a mais severa disciplina; instruía-os na reverência e temor de Deus, na boa e importante união entre si e na estimação de suas pessoas, sem desprezo dos próximos ou menos agrado com todos; que fossem brandos e bem aceites aos seus familiares e que tivessem horror aos vícios.
(Continua)
O ALBICASTRENSE

1 comentário:

  1. Estes textos são deveras interessantes, não só pelo seu valor histórico em geral, mas por narrarem factos que aconteceram aqui mesmo, numa parte do país hoje tão desprezada. Não deixo de ficar surpreendida ao perceber como Portugal nem sempre foi "só Lisboa e o resto folclore", apesar de Lisboa nunca ter deixado de ser a cidade mais cosmopolita e movimentada deste rectângulo!

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