Por Manuel da Silva Castelo Branco
(Continuação)
Que fossem brandos e bem aceites os seus familiares e que tivessem
horror aos vícios. Trouxe sempre diante dos olhos a observância da lei de Deus,
frequentava os Sacramentos e tinha contínuas devoções; punha especial cuidado
em que a sua família vivesse conforme as obrigações de cristãos e em remediar
as necessidades dos pobres, com ardente caridade.
Gostava muito de tratar as pessoas, que reconhecíamos de virtude;
foi de alegre conversação e de génio aprazível; e sendo, finalmente, um
composto de perfeições que a conduziam a merecer o título de matrona e a
parecer singular entre as mulheres e senhoras do seu tempo; e das mais capazes
de viver no mundo, sendo nele tão precisa para a criação de dez filhos inocentes
(dos quais, o mais velho contava 12 anos, o último, não bem completos 4 meses)
e para o conduto da vida de seu marido, consolação de sua mãe, complacência de
seus parentes e felicidade de toda a sua casa ... veio a morrer na flor da sua
idade, com 28 anos menos três dias, em 19 de Outubro de 1723, uma terça-feira,
pelo caso mais fatal e como uma das desgraças mais infaustas que se têm representado
no triste teatro deste mundo» ...(24)
Efectivamente, na ausência do marido e do filho mais velho (em
viagem para Portalegre e Castelo Branco), D. Francisca decidiu ir passar a
tarde daquele dia à sua quinta da Serra do Bispo, no termo de Elvas.
Jornada de recreio, aproveitando a companhia da mãe e de duas
filhinhas; e ali permaneceram durante algumas horas ... No regresso, quando a seu pedido o cocheiro
parou e desceu da sege afim de abrir a cortina dianteira, as mulas desataram
numa corrida desenfreada e D. Francisca foi projetada para o meio da estrada.
Embora não apresentasse qualquer ferimento, expirava poucos
momentos depois, já nos braços da mãe e rodeada pelas filhas, que saíram ilesas
deste trágico acidente...
UM PARTO PRODIGIOSO.
Assento 16 (S1 - 4M, fl. 92v)
- Aos catorze dias de
Julho do anode 1716, nasceram duas crianças filhas de António Simão homem trabalhador e de
sua mulher Maria Mendes Bragança, desta vila e freguesia. Ambas as ditas
crianças com dois corpos da cintura para cima, distintos, com rosto cada uma de fêmea e bem afigurado, com dois corações,
quatro braços e quatro pernas; e um só corpo da cinta para baixo, mas este tão
inseparável e comum a ambas as crianças que é impossível por nenhuma arte poder separar-se um do outro, a via da urina é uma
só e a outra via também uma. Às ditas crianças baptizei «sub conditione» por
me parecer que o homem, que as baptizou nessa necessidade do parto, se perturbou
vendo tal prodígio.
Foram-lhes postos os santos óleos a 21 do dito mês e, por ser caso não
visto nestas partes, se fizeram vários retratos que se mandaram não só a
cidades de Portugal mas ainda de Castela.
de 1716, nasceram duas crianças filhas de António Simão homem trabalhador e de
sua mulher Maria Mendes Bragança, desta vila e freguesia. Ambas as ditas
crianças com dois corpos da cintura para cima,
distintos, com rosto cada uma de fêmea e bem afigurado, com dois corações,
quatro braços e quatro pernas; e um só corpo da cinta para baixo, mas este tão
inseparável e comum a ambas as crianças que é
impossível por nenhuma arte poder separar-se um do outro, a via da urina é uma
só e a outra via também uma. Às ditas crianças baptizei «sub conditione» por
me parecer que o homem, que as baptizou nessa necessidade do parto, se perturbou
vendo tal prodígio.
Foram-lhes postos os santos óleos a 21 do dito mês e, por ser caso não
visto nestas partes, se fizeram vários retratos que se mandaram não só a
cidades de Portugal mas ainda de Castela.
E, por verdade, fiz este
termo que assinei./ O vig.° Frei António Gomes Assores.
Assento 17 (lbid.,fl.35v)
- A trinta e um de Julho de 1716, faleceram as duas crianças
gémeas e prodigiosas. Foram sepultadas dentro da parede da envida de S. Brás
(matriz que ora é desta vila), entre o altar do Nome de Deus e a porta
travessa, por ordem do senhor bispo D. João de Mendonça.
Sobreviveu uma à outra 8 ou 9 horas e o mesmo senhor bispo mandou
nelas fazer anatomia, de que fiz este termo que assinei / O
vig° Frei António Gomes Assores.
Comentário
Os Assentos 16 e 17,
acima trasladados, dão-nos o relato bastante pormenorizado e sugestivo de um nascimento
teratológico gemelar, ocorrido em Castelo Branco a 14.7.1716. A notícia deste
acontecimento provocou a maior sensação quer na vila como em todos os locais de
Portugal e Castela para onde se enviaram retratos do caso.
As duas crianças do sexo feminino achavam-se unidas pelo abdómen,
mas não podiam ser separadas por intervenção cirúrgica pois possuíam algumas
funções vitais comuns... Vieram a falecer no dia 31 do
mesmo mês, sobrevivendo uma delas à outra cerca de sete horas.
O bispo da Guarda, D. João de Mendonça, então residente no Paço de Castelo
Branco, tomou logo algumas medidas indispensáveis...
Assim, além de assegurar às crianças todos os cuidados dependentes
do seu ministério, mandou-as observar por médicos e cirurgiões, que nelas
acabariam por praticar também anatomia. Por sua ordem, foram sepultadas na
ermida de S. Brás, em um nicho aberto no paramento interior da parede, sito do
lado da Epístola, entre o arco da capela absidal e a porta lateral virada ao
Poente.
E, sobre ele, mandou colocar uma lápide de granito moldurada de
0,365x1,090m, com inscrição latina e escultura alusivas ao acontecimento.
(Continua)
O
ALBICASTRENSE
A capa do "Cadernos de Cultura", que tem apresentado nestas publicações, é relativa a estes assentos do parto prodigioso? Ainda hoje, por ser tão raro (felizmente!), o nascimento de bebés siameses causa sensação, portanto, naquela época... Nem imagino! E é de louvar a atitude dos clérigos, que consideraram as crianças como tal e não como monstros ou castigo divino ou algo do género!
ResponderEliminarManuela.
EliminarA revista onde está o artigo de Manuel da Silva Castelo Branco, tem a capa das publicações feitas por mim.
Abraço