AMOR
E A MORTE... NOS ANTIGOS REGISTOS PAROQUIAIS ALBICASTRENSES.
Por Manuel da Silva Castelo Branco
"UM PARTO PRODIGIOSO".
(Continuação)
Assento 16 (S1 - 4M, fl. 92v)
– Aos catorze dias de Julho do ano de 1716,
nasceram duas crianças filhas de António Simão homem trabalhador e de sua
mulher Maria Mendes Bragança, desta vila e freguesia. Ambas as ditas
crianças com dois corpos da cintura para cima, distintos, com rosto cada uma de
fêmea e bem a figurado, com dois corações, quatro braços e quatro pernas; e um
só corpo da cinta para baixo, mas este tão inseparável e comum a ambas as
crianças que é impossível por nenhuma arte poder separar-se um do outro, a via
da urina é uma só e a outra via também uma. Às ditas crianças baptizei «sub conditione» por me parecer
que o homem, que as baptizou nessa necessidade do parto, se perturbou vendo tal
prodígio.
Foram-lhes
postos os santos óleos a 21 do dito mês e, por ser caso não visto nestas
partes, se fizeram vários retratos que se mandaram não só a cidades de Portugal
mas ainda de Castela. E, por verdade, fiz este termo que assinei. O vig.°
Frei António Gomes Assores.
Assento 17 (lbid.,fl.35v)
- A trinta e um de Julho de 1716, faleceram as duas crianças gémeas e prodigiosas. Foram sepultadas dentro da parede da envida de S. Brás (matriz que ora é desta vila), entre o altar do Nome de Deus e a porta travessa, por ordem do senhor bispo D. João de Mendonça. Sobreviveu uma à outra 8 ou 9 horas e o mesmo senhor bispo mandou nelas fazer anatomia, de que fiz este termo que assinei. O vig° Frei
António Gomes Assores.
Comentário
Os Assentos 16 e 17, acima trasladados, dão-nos o relato bastante pormenorizado e sugestivo de um nascimento teratológico gemelar, ocorrido em Castelo Branco a 14.7.1716.A notícia deste acontecimento provocou a maior sensação quer na vila como em todos os locais de Portugal e Castela para onde se enviaram retratos do caso. As duas crianças do sexo feminino achavam-se unidas pelo abdómen, mas não podiam ser separadas por intervenção cirúrgica pois possuíam algumas funções vitais comuns... Vieram a falecer no dia 31 do mesmo mês, sobrevivendo uma delas à outra cerca de sete horas.
Os Assentos 16 e 17, acima trasladados, dão-nos o relato bastante pormenorizado e sugestivo de um nascimento teratológico gemelar, ocorrido em Castelo Branco a 14.7.1716.A notícia deste acontecimento provocou a maior sensação quer na vila como em todos os locais de Portugal e Castela para onde se enviaram retratos do caso. As duas crianças do sexo feminino achavam-se unidas pelo abdómen, mas não podiam ser separadas por intervenção cirúrgica pois possuíam algumas funções vitais comuns... Vieram a falecer no dia 31 do mesmo mês, sobrevivendo uma delas à outra cerca de sete horas.
O bispo da
Guarda, D. João de Mendonça, então residente no Paço de Castelo Branco, tomou logo
algumas medidas indispensáveis... Assim, além de assegurar às crianças todos os
cuidados dependentes do seu ministério, mandou-as observar por médicos e
cirurgiões, que nelas acabariam por praticar também anatomia. Por sua ordem,
foram sepultadas na ermida de S. Brás, em um nicho aberto no paramento interior
da parede, sito do lado da Epístola, entre o arco da capela absidal e a porta
lateral virada ao Poente. E, sobre ele, mandou colocar uma lápide de granito
moldurada de 0,365x1,090m,com inscrição latina e escultura alusivas ao acontecimento.
O letreiro, em tradução livre de António Rodrigues Cardoso, contém o seguinte:
- «Abdon e Sémen, que nasceram ligados, têm um só baixo ventre, sexo e
fígado; têm vidas distintas e distintas também todas as demais coisas. Deram avida
a Deus, pois, morrendo um, o outro morreu também, desfalecendo pouco a pouco
durante sete horas. Juntos foram gerados, juntos viveram e juntos morreram.
1716». (25)
A escultura
representa duas crianças ligadas pelo abdómen, tendo a da esquerda o braço
direito entrelaçado como braço esquerdo da criança à direita. A capela de S. Brás foi demolida em1940, quando restavam dela apenas algumas paredes-mestras, encontrando-se a lápide atualmente no Museu Regional de
Francisco Tavares Proença...Como já referimos, este parto prodigioso foi divulgado não só no país como fora dele, através dos meios de comunicação usados na época... Assim, a «Gazeta de
Lisboa» no seu n°31 de 1.8.1716, inseria a seguinte notícia, remetida de
Castelo Branco em 18 de Julho:
«Terça-feira, que se contaram 14 decorrente, do meio-dia para a
uma hora, pariu nesta vila uma mulher chamada Maria Mendes Maia, casada com
António Simão Bragança, homem jornaleiro, duas crianças pegadas uma em outra pelas cinturas, de maneira que
ambas têm um só ventre e um só umbigo e ambas se servem pelas mesmas vias que
podia ter uma só. Têm quatro pernas, mas duas alguma cousa mais curtas que as
outras. A estatura de ambas é a de uma criança pequena. Vivem espertas e mamam
bem e pelas palpitações parece ter cada uma seu coração. A sua forma se explica melhor nesta estampa».
O epílogo
do caso vai publicado no n° 33 de 15 de Agosto do mesmo ano, sendo enviado de
Castelo Branco a 1 do dito mês:- «As duas meninas, que nasceram unidas, foram baptizadas
logo em nascendo por um homem que se achava na casa dos pais e, depois, por um
clérigo «sub conditione» sem lhes dar nome, dizendo:
«Criaturas de Deus, se
não estais baptizadas Ego vos baptizo in
nomine Patris, etc.»
Duraram somente vivas
dezasseis dias: uma faleceu na quarta-feira desta semana das oito para as nove
horas da noite; a outra na quinta-feira pelas sete da manhã. Fez-se anatomia nos
seus corpos e não se descobriu mais novidade que a indivisão dos intestinos
igualmente continuados no seu processo, sendo a origem diversa. Esta principiava
no estômago, tendo cada uma esta oficina no seu próprio lugar.
O fígado
era um só e começava no estômago de uma e se continuava ao da outra sem
divisão; os duetos para as duas vias não tinham vício algum na sua conformação,
nem o coração, bofe e peito, por se achar tudo na sua devida conformidade. Enfim,
estas informações são preciosas para esclarecer e retificar mesmo alguns dados
já fornecidos e, além do mais, permitem-nos apreciar também o resultado de uma
autópsia feita nos começos do século XVIII. (26)
(Continua)
O Albicastrense
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